Depois de ler O corte (Companhia das Letras, 304 págs, R$ 31) talvez você olhe de forma diferente para seus colegas de trabalho, para aquele senhor com aparência tranquila que é caixa no banco ou o simpático gerente da loja. Todos podem ser assassinos. Basta tirar-lhes o emprego e apetrechos como seguro-saúde, férias e 13º salário. Foi o que aconteceu com Burk Devore, protagonista do livro assinado por Donald E. Westlake, quando demitido de uma fábrica de papel, na qual trabalhou durante 25 anos. Funcionário-padrão, Devore é chutado em nome da modernização da empresa. Em vez de virar vítima, ele parte para a ação eliminando possíveis concorrentes a uma nova vaga. Publica um falso anúncio em jornal, seleciona os currículos dos seis rivais mais preparados que ele e simplesmente os mata.

A brutalidade da situação – os planos e as execuções em si – é entrecortada por fatos e reflexões do protagonista, que permitem compatibilizar as duas selvagerias, a do mercado de trabalho que dispensa sem mais nem menos funcionários que dedicaram toda a vida a uma empresa e a do sujeito que assassina para escapar de um destino miserável. A enxuta narrativa de Westlake propõe, de forma sub-reptícia, a pergunta: quem é pior? “Muito tempo de desemprego machuca”, conclui Devore, 50 anos, mulher, dois filhos, casa própria, um carro, férias uma vez por ano, excelente vizinho. Ele tinha enorme orgulho em pertencer à classe média e é para continuar nela que resolve cortar a carne alheia. Autor de romances policiais que encontram motivo risível em cada crime, Westlake desta vez abriu mão do humor. O corte é seco, objetivo e nervoso. Além de impiedoso com a sociedade contemporânea, que sacrifica qualidades humanas e privilegia a otimização das máquinas.