Estevam Hernandes já está há dois meses sem usar ternos bem cortados e relógios de luxo. Cumprindo pena de 140 dias em uma cadeia nos EUA por entrar em território americano com US$ 56 mil não declarados, ele dará vez a sua esposa, também responsabilizada pelo crime, dentro de três meses. Em prisão domiciliar em Miami, Sônia aguarda o dia em que pendurará o tailleur e as jóias caras e vestirá as roupas numeradas dos presidiários por outros 140 dias. No Brasil, o processo contra os dois donos da igreja Renascer em Cristo – e outros seis acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha – está em fase final. Cada dia que passa mais bens do casal, cuja fortuna é estimada em R$ 130 milhões, são obstruídos judicialmente e mais contas bancárias que indicam gastos pessoais com dinheiro vindo da fé alheia são descobertas. “Só nos EUA estão sendo confiscados dez carros de luxo, como Mercedez e Cadillac”, diz o promotor de Justiça Marcelo Mendroni. No Brasil, há registro de dívidas com o Fisco paulista no valor de R$ 6,5 milhões.

Os Hernandes possuem fazendas, casas nos EUA, helicópteros, canal de tevê e emissoras de rádio. “Mas davam calotes até em marcas de grife e assim viviam de forma nababesca”, conta Mendroni. As ações contra a Renascer (hoje, são 84) não impediam Fernanda, filha do casal Hernandes, de mobilizar o helicóptero da família para transportar fraldas de seu filho de São Paulo para Atibaia, a 67 quilômetros da capital paulista, onde a família é dona de um haras de R$ 7 milhões. Certo dia, o piloto da aeronave a questionou quando soube que teria de levantar vôo apenas para levar caixas de água importada francesa Perrier para o haras. “Você é empregado. Sua obrigação é cumprir ordens”, retrucou Fernanda.

Depois de sete anos na Itália, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola também foi parar atrás das grades. Capturado e preso pela Interpol em Mônaco, ele aguarda a decisão sobre uma extradição. “Ele seguia desfrutando do bembom. Mas a Justiça brasileira colocará as mãos nele”, diz o secretário Nacional de Justiça Romeu Tuma Júnior. Dono do banco Marka, Cacciola onerou os cofres públicos em R$ 1,6 bilhão numa operação ilegal com o Banco Central, em 1999. Seis anos depois, foi condenado a 13 anos de cadeia por peculato e gestão fraudulenta. Antes de fugir para Roma, em 2000, usava helicóptero para trabalhar, passeava em seu iate e morava em um apartamento de 800 metros quadrados. Na capital italiana, seguiu na mordomia e tornou-se dono de um hotel quatro-estrelas, vizinho ao Coliseu.

Cacciola e os Hernandes, porém, são peixes pequenos comparados aos bilionários oligarcas da Rússia. Especialmente em relação a dois deles, Boris Berezovsky e Roman Abramovich, que construíram impérios econômicos ao adquirir a preço de banana estatais russas na transição para a economia de mercado. Os dois devem explicações à Justiça, mas foram morar em Londres para gozar de suas fortunas.

Abramovich, o dono do clube Chelsea, é o homem mais rico em território inglês, sete vezes mais endinheirado do que a rainha Elisabeth II. Ele foi dono de uma fábrica de bonecas antes de se tornar a 16º maior fortuna do planeta, com R$ 35 bilhões. Aos 41 anos, sua mina de ouro é a Sibneft, uma empresa de petróleo que produz nove milhões de barris por dia e é acusada de ter recebido benefícios fiscais de US$ 500 milhões na Sibéria, quando Abramovich era governador da região.

Graças a Sibneft, o russo se dá ao capricho de pagar R$ 493 milhões por um A380, o maior avião comercial do mundo, com capacidade para 800 pessoas e desembolsar R$ 775 milhões por um iate com 167 metros (quase dois campos de futebol). Com dois heliportos, três lanchas, piscina e minissubmarino, o Eclipse está em construção e será o maior do mundo. É o quinto iate de Abramovich. “São exuberâncias que só podem ser explicadas com as privatizações do capitalismo de quadrilha que se instalou na Rússia”, afirma Paulo Edgard Resende, coordenador do núcleo de análise da conjuntura internacional da PUC.

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Ex-amigo de Abramovich, Berezovsky tem prisão decretada na Rússia e é acusado de manter relações com terroristas chechenos e com o crime organizado. Dono de uma fortuna de R$ 18,3 bilhões, está asilado na Inglaterra desde 2000. Lá, caminha livremente pelos cerca de cinco hectares – oito quartos, nove banheiros, piscina e quadra de tênis – de sua propriedade em Surrey, comprada por R$ 40 milhões. Acorda às 7h e passa 20 minutos na piscina privada antes de tomar o café da manhã e partir para o trabalho, em uma cobertura no centro de Londres. Foi nesse escritório que nasceu a compra do Corinthians por R$ 59 milhões, por meio da MSI, o fundo de investimento do russo.

Berezovsky foi professor de matemática, com salário de US$ 300. Nos anos 90, em apenas cinco anos fez seu patrimônio crescer para US$ 20 milhões atuando no mercado de automóveis e com acordos duvidosos de privatizações. Será que um dia acontecerá com ele – e por que não com Abramovich – o mesmo que vem ocorrendo com o Corinthians, que, depois de dias de bonança graças à injeção de dinheiro russo de origem duvidosa, vive a iminência de uma condenação sumária à segunda divisão do campeonato brasileiro?


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