Ministro dos Esportes sugere que instalações esportivas do Pan sejam repassadas para a iniciativa privada após o evento

 

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O terno alinhado é bem diferente do jeans com camiseta – vermelha – dos anos 90, quando liderava, na presidência da UNE, passeatas e protestos por todo o Brasil. Mas o ministro dos Esportes, Orlando Silva, 36 anos, parece à vontade na indumentária de autoridade. Circula com o sorriso largo e o inconfundível sotaque baiano por palácios, ruas e arenas esportivas do Rio de Janeiro como representante do governo federal nos Jogos Pan-Americanos. Responsabiliza o prefeito César Maia pelas vaias ao presidente Lula na cerimônia de abertura do Pan e aconselha os cariocas a eleger, em 2008, um substituto mais antenado com os governos federal e estadual para facilitar os investimentos em transportes necessários à candidatura do Rio à sede da Olimpíada de 2016. Cobra, ainda, que o PT retribua os apoios já recebidos do PCdoB e se junte à candidatura de Aldo Rebelo a prefeito de São Paulo no ano que vem. Ao mesmo tempo que reitera convicções ideológicas de seu partido, o PCdoB, o ministro demonstra adaptação aos novos tempos e defende a concessão dos grandes estádios para serem explorados pela iniciativa privada.

 

 

 

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ISTOÉ – Para um país com tantas carências, gastar R$ 3,5 bilhões em uma competição não é luxo?
Orlando Silva – Orlando Silva ? Tivemos investimentos importantes em segurança e em instalações, um legado fantástico para o Brasil. O Rio é uma cidade olímpica, com capacidade para sediar qualquer grande evento. Temos arenas com padrão internacional e isso fica, com uma promoção fantástica do Brasil no Exterior. Tudo isso volta, com o turismo, um ativador da economia. Já estamos conquistando campeonatos mundiais, como o de judô, o de futebol de salão e a final da Liga Mundial de Vôlei, no ano que vem, e os Jogos Mundiais Militares, que reunirão cinco mil atletas em 2011 no Rio, tudo isso em função das instalações do Pan. O que isso gera de empregos e oportunidades não tem preço.
ISTOÉ – Como evitar que as instalações virem elefantes brancos após o Pan?
Orlando Silva – Elas servirão ao desenvolvimento do esporte brasileiro. Serão centros nacionais de treinamento para várias modalidades. Alguns equipamentos, como o Maracanãzinho ou a Arena Multiuso, pelo perfil que têm, deverão ter uma funcionalidade para além do esporte. Aí vale a pena pensar em um modelo de gestão diferenciado, que permita concessão para que empresas privadas gerenciem e promovam atividades de forma permanente. Isso garante a sustentabilidade.
ISTOÉ – O Maracanã também deve ser entregue à iniciativa privada?
Orlando Silva – Houve um tempo, sobretudo na ditadura, em que havia toda uma manipulação, instrumentalização política do esporte. Isso permitiu o gigantismo nas construções esportivas, mas não cabe mais. Parte dessas estruturas ficou como mico nas mãos dos Estados, subutilizados, com gestão comprometida pela política. Abrir concessão para o setor privado explorar esses espaços, especialmente os multifuncionais, tiraria ônus do Estado e permitiria sua otimização, sem pressão política.
ISTOÉ – O governo não estaria inflando a conta do Pan ao incluir gastos em obras permanentes?
Orlando Silva – Esses investimentos estão no documento ?matriz de responsabilidades?, assinado pelos três níveis de governo em abril de 2004. Me causa espécie a prefeitura contestar números que subscreveu. É uma bobagem sem fim discutir isso.
ISTOÉ – Mas essa conta não mascara os números, dando a impressão de que o Pan ficou quatro vezes mais caro?
Orlando Silva – A proposta original previa só a segurança patrimonial das instalações, um valor insignificante. Mas reconhecemos uma situação complexa e não podíamos perder a oportunidade. Claro que teria de ser feito um dia, mas foi feito para o Pan. Um item que salta aos olhos é uma guerra de números que não tem sentido. O que importa é que o País tire lições e cuide para que, da próxima vez, haja uma harmonia maior entre os níveis de governo. Só com muitas mãos se faz uma obra dessas.
ISTOÉ – O jogador cubano Rafael Capote quer asilo político do Brasil. Deve tê-lo?
Orlando Silva – Conheço Cuba, estive lá algumas vezes. É emocionante o esforço do Estado cubano para garantir a segurança alimentar, o acesso à educação, saúde e esporte, para que a juventude construa perspectivas. Esse jovem deve ter uma série de ilusões quanto às possibilidades de viver fora de Cuba. No caso dele, não se trata de asilo político porque ele não é um perseguido. Ao contrário, teve a oportunidade de se desenvolver. Espero que ele tome juízo e volte para os seus.
ISTOÉ – Depois de ter desertado, ele poderá voltar a Cuba sem risco de parar no paredão?
Orlando Silva – Essa história de paredão pertence a outro período da história cubana, duro, de enfrentamento na pós-revolução. Hoje a situação é um pouco diferente. Provavelmente há muito mais gente indo para o paredão nos Estados Unidos do que em Cuba.
ISTOÉ – O Rio tem chance de sediar a Olimpíada de 2016?
Orlando Silva – Claro. O sucesso do Pan é importante para mostrar capacidade. É evidente que itens graves exigem atenção, como o transporte, metrô e trem. O Rio tem uma malha ferroviária que pode ser sofisticada.
ISTOÉ – As instalações esportivas se concentram na Barra, bairro sem metrô ou corredor expresso.
Orlando Silva – Silva ? Até 2016 o metrô deverá chegar à Barra. O governo federal financia a expansão do metrô em São Paulo com recursos do BNDES. São Paulo e Rio vão entrar em colapso se isso não for feito. Quanto ao Rio, a relação do governo federal com o estadual é maravilhosa e os mandatos do presidente e do governador vão até 2010. Em 2008 teremos um novo prefeito, que pode permitir que se some a essa relação maravilhosa uma prefeitura mais vinculada ao processo de desenvolvimento da cidade e do Brasil. Isso ajuda a encurtar o prazo de inauguração de novas estações.
ISTOÉ – De quem é a responsabilidade pelas falhas do Pan, como a falta de energia elétrica?
Orlando Silva – Em um evento dessa dimensão, é impossível não haver problemas e a capacidade de resolvê-los reforça nossa maturidade. Temos de aprender e exigir, nos futuros contratos, mais compromisso com o cronograma.
ISTOÉ – O Brasil pode virar potência olímpica?
Orlando Silva – Nosso esporte é muito futebolizado. Educação física não pode mais ser só uma pelada na escola, em que os melhores jogam e os baixinhos ou gordinhos ficam assistindo. Precisamos de uma cultura esportiva, de ter esporte na escola para todos, manter as crianças por mais tempo na escola. Nenhum país se tornou potência esportiva sem vincular esporte e educação.
ISTOÉ – Estados Unidos e Cuba são exemplos.
Orlando Silva – Sim, são dois países diametralmente opostos, mas são duas potências esportivas e devem ficar em primeiro e segundo lugares no Pan. Em ambos, o esporte está colado à educação. Eu vi o hóquei sobre grama das argentinas, que ganharam de 21 a zero do Brasil. Sabe por quê? O hóquei na Argentina está no currículo escolar.
ISTOÉ – O lutador Diogo Silva, primeiro ouro do Brasil no Pan, foi excluído do Bolsa-Atleta. Por quê?
Orlando Silva – Eu o conheço e o admiro pela capacidade, inteligência e rebeldia. É importante atletas terem opiniões políticas porque tudo na vida depende de decisões políticas. Me empenhei pessoalmente e cheguei a alertá-lo sobre os critérios do programa. Temos um prazo largo para a inscrição e é lamentável que ele tenha perdido. Espero que não perca mais.
ISTOÉ – Um dos principais patrocinadores do Pan é uma marca de cerveja. Não é incompatível com o esporte?
Orlando Silva – Atividade esportiva é incompatível com o consumo de qualquer substância que provoque impacto no rendimento. Agora, eu aposto mais nos esclarecimentos sobre os riscos, na educação das pessoas, na sua capacidade de discernimento do que na proibição. Aposto mais na emancipação da pessoa, na capacidade de tomar decisão por si só e não influenciada pelo marketing.
ISTOÉ – O sr. fuma ou bebe?
Orlando Silva – Não fumo. Bebo socialmente cerveja e vinho.
ISTOÉ – O sr. será candidato ao Senado em 2010?
Orlando Silva – Minha missão é ser um excelente ministro. Tenho uma trajetória de militância no PCdoB, que tem um projeto de transformação do País. Ter um mandato depende de conjunturas, oportunidades. Não faz parte dos meus planos hoje participar de qualquer disputa eleitoral. Amanhã é amanhã.
ISTOÉ – O PCdoB integra um bloco sem o PT. A esquerda está se distanciando do PT?
Orlando Silva – O PCdoB tem uma aliança com o PT desde 1988, com Luiza Erundina. Apoiamos o presidente em todas as eleições, mas temos também aliança com outros partidos. Somos um ator na cena política nacional e não precisamos viver a reboque do PT. O PCdoB pode ter personalidade própria, protagonismo. O ambiente do País exige que o partido se lance mais para a sociedade, amplie seu leque de alianças para além da esquerda para promover as mudanças que o País exige. Assim como nós apoiamos o PT nos últimos 20 anos, temos o direito de reivindicar o apoio do PT onde formos disputar.
ISTOÉ – Onde espera o apoio do PT em 2008?
Orlando Silva – Vamos pedir apoio do PT para Aldo Rebelo ser candidato a prefeito de São Paulo. O PT teve nosso apoio em São Paulo várias vezes. Aldo tem uma história de serviços prestados ao País fantástica. É um líder respeitado pelos partidos e uma ótima alternativa.
ISTOÉ – Mas o PT abriria mão de apoiar tantos caciques, como Marta Suplicy?
Orlando Silva – A Marta está muito bem, faz um trabalho maravilhoso no Turismo e os sinais que recebo é que ela continuará no Ministério, o que abriria a possibilidade de o PT apoiar Aldo Rebelo. O PT aprendeu a fazer aliança e não pode, agora, desaprender, deixar de fazer aliança com seus tradicionais aliados.
ISTOÉ – É verdade que o sr. tinha um acordo com Agnelo Queiroz, de que ele voltaria ao Ministério?
Orlando Silva – Isso não existe, é uma ficção. Quem nomeia ministro é o presidente. Não existe possibilidade de acordo que não passe pelo presidente. Agnelo é um companheiro de partido, fez um ótimo trabalho nos Esportes e aceitou uma mi ssão difícil de disputar: o Senado em Brasília. Se tivéssemos mais tempo, teríamos ganho e parte da crise hoje em curso não existiria.
ISTOÉ – O sr. atribuiu as vaias ao presidente Lula na abertura do Pan a uma orquestração. Da parte de quem?
Orlando Silva – Andei em Copacabana no dia seguinte e fui cercado o dia inteiro. As pessoas diziam: ?Ministro, diga ao presidente que nós estamos com vergonha, aquilo não reflete o sentimento do povo carioca. Estamos felizes com o Pan e reconhecemos o papel do governo federal e do presidente.? Este é o sentimento do Rio. O que aconteceu no Maracanã foi um fato isolado. Acho que foi montado porque dava para perceber claramente que veio de uma área próxima à tribuna.
ISTOÉ – De convidados da prefeitura?
Orlando Silva – Depois fui apurar e descobri que havia a concentração ali de convidados de determinado ente governamental e que a vaia partiu dali ? claro que não foi da Presidência nem do governo estadual. Ficou nítido. Há outros fatos. Na tribuna presidencial, familiares do prefeito César Maia tomaram assento de autoridades do governo federal. É inaceitável, um problema de cortesia, quase de educação doméstica. Isso tudo vai virar uma nota de pé de página da história, proporcional à mesquinhez da atitude. O que vai ficar para a história do esporte é a magnitude e o sucesso do evento.