Suplicy admite que sua obsessão pelo projeto de rendamínima foi fator importante para a separação de Marta,mas não descarta a reconciliação

O sereno e obstinado senador Eduardo Suplicy (PT-SP) é um homem apaixonado. Quando fala do projeto de renda mínima sua voz se torna mais firme. Não há quem possa interrompê-lo. Em três horas de entrevista, o renda mínima consumiu pelo menos metade do tempo. Mas as paixões costumam vir acompanhadas também de sofrimento. É o caso de outro assunto que mobiliza seu coração: Marta Suplicy, cujo namoro com o argentino Luís Favre lhe foi comunicado há três semanas, pela própria prefeita. Ao falar sobre a separação, as pausas são longas, sua voz torna-se quase inaudível, e os olhos, marejados. Se o senador, 60 anos, aparentemente continua a calma em pessoa, por dentro está remoído pela tormenta que amarga desde abril, quando o casamento de 36 anos acabou. Ele nega que esteja namorando a escritora Ana Miranda, mas admite, sem dar nomes, que há pessoas surgindo em sua vida. Suplicy confirma ainda o flerte com Joan Baez, cantora-musa da esquerda, com quem quase se envolveu no final dos anos 70. Só não concretizou o desejo por causa de Marta, que não escondeu o ciúme. Em sua autobiografia, Baez lembra que conheceu no Brasil um “amável parlamentar de estonteantes olhos azuis”. Sorrindo, embalado pela doce lembrança, Suplicy emenda: “Mas meus olhos são esverdeados.”

ISTOÉ

A sua separação e a notícia do namoro da prefeita Marta Suplicy com Luís Favre causaram muita repercussão. O fato de sua vida pessoal estar sendo amplamente noticiada o incomoda?

Eduardo Suplicy

 Para mim é como se fosse a passagem de uma tormenta, um furacão. E para Marta também. Por mais difícil que esteja sendo, o importante é que há uma relação de respeito. Acho que uma pessoa que está na vida política não é obrigada a revelar a sua intimidade. Mas há muito interesse na vida pessoal. Isso é um fato.

ISTOÉ

No PT houve alguma atitude que o sr. considerou inadequada no episódio de sua separação?

Eduardo Suplicy

(Pausa longa, fala baixa.) Acho que a direção do partido e a base saberão agir e refletir com a sensibilidade e o respeito que se esperam nestas situações. Se houve alguns movimentos de descuido, eles serão alvo de reflexão.

ISTOÉ

 O sr. ainda acha possível reverter a situação e retomar o relacionamento com Marta, apesar do anúncio do namoro dela com Favre?

Eduardo Suplicy

Tenho a convicção que sim.

ISTOÉ

O sr. ainda é apaixonado pela prefeita?

Eduardo Suplicy

 Eu sempre a terei presente. Foram 41 anos de namoro e casamento. Uma vida construída em comum. Então, achar que isso pode ser apagado automaticamente numa decisão assim, havendo elos tão fortes, filhos… ademais eu sei que há entre nós estima, carinho e respeito. Por mais que possa ter havido desentendimentos, incompreensões, o que existe de fato é um elo, que da minha parte é fortíssimo e tenho certeza que da parte dela também, ainda que ela queira separar e viver intensamente e de outra maneira a sua vida.

ISTOÉ

O sr. também pretende viver sua vida de outra maneira? Pretende se casar?

Eduardo Suplicy

 Tenho pensado muito nisso. É uma situação tão delicada que é muito fácil você machucar as pessoas com qualquer gesto, atitude. Não quero precipitar situações e tem sido muito difícil porque, se me torno amigo de uma moça, imediatamente querem me atribuir um romance.

ISTOÉ

Como aconteceu com a notícia de que o sr. estaria namorando a escritora Ana Miranda?

Eduardo Suplicy

 Ela está ajudando no meu livro. Nos damos muito bem. Temos uma amizade bastante sólida. Mas, por conta das notícias de que estaríamos namorando, vamos trabalhar, a partir de agora, por e-mail, para não dar margem a especulações. Eu não estou namorando a Ana. Ela é uma pessoa que conhece a língua portuguesa muito bem. Recomendo a todas as pessoas os seus livros, como o Boca do inferno… Tenho lido poesias dela.

ISTOÉ

Mas quando o sr. fala do receio de machucar terceiros é porque estão surgindo pessoas na sua vida?

Eduardo Suplicy

 A essas terceiras pessoas eu estou dizendo que me dêem um tempo para pensar e estar trabalhando.

ISTOÉ

O sr. é muito procurado?

Eduardo Suplicy

 Existe muita solidariedade e atenção das pessoas. Neste sábado, por exemplo, recebi uma caixa de doce bem-casados de uma senhora que queria agradecer a minha atenção diante da batalha dela com o marido, que estava na fila de transplante de fígado, até morrer, há três semanas. Ela estava preocupada com a minha situação pessoal. Eu agradeci.

ISTOÉ

Há uma história muito famosa segundo a qual o sr. teria se interessado pela cantora Joan Baez, durante sua visita ao Brasil. O sr. não levou a história adiante por causa de Marta. É verdade?

Eduardo Suplicy

 Foi um momento que tocou a Marta. Eu acompanhei a Joan Baez. Ela queria conhecer o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o Lula, durante o governo João Figueiredo. Eu era deputado federal. Mostrei a ela diversos lugares da cidade. De noite fomos ao Tuca, onde ela ia cantar. Mas a Polícia Federal não deixou ela cantar porque as músicas não tinham sido apresentadas previamente. Fiquei indignado. O Tuca estava cheio e ela sentou na platéia e cantou ali mesmo. Foi uma coisa maravilhosa, linda. Ficamos muito amigos. No dia seguinte, eu ia para Brasília e ela, para o Rio. No caminho para Brasília, resolvi passar no Rio. Fomos almoçar no Copacabana Palace. É fato que eu telefonei para Marta para contar que tinha resolvido dar uma passada no Rio para encontrar Joan Baez. Então ela ficou muito preocupada.

ISTOÉ

E aconteceu algo?
 

Eduardo Suplicy

 Esteve muito próximo de acontecer. E isso eu contei para Marta.

ISTOÉ

Mas o que se conta é que o sr. teria ligado para Marta para consultá-la.

Eduardo Suplicy

 Ela ficou brava só de eu ter dito que fui ao Rio. Daí eu resolvi parar tudo o que pudesse acontecer.

ISTOÉ

Hoje o sr. se arrepende por não ter levado a história adiante?

Eduardo Suplicy

Não. Há certas ocasiões que você tem que tomar decisões e como eu gostava muito da Marta não queria acabar com o casamento. Em que pese eu ter estado com a Joan Baez numa situação que tipicamente poderia ter deslanchado e tudo, não foi o caso de prosseguir.

ISTOÉ

Sobre o que será o livro?

Eduardo Suplicy

 Procuro mostrar os fundamentos, na história da humanidade, do direito de todas as pessoas participarem da riqueza de cada nação. Este direito está baseado nos pensamentos do mestre chinês Confúcio, é consistente com as recomendações de Aristóteles, com o grande anseio do povo judeu expresso no Antigo Testamento, e no Novo Testamento pelas palavras de Jesus. E também com o que está no Alcorão, no budismo e com as idéias de Karl Marx. Ele observou que os seres humanos, numa sociedade mais amadurecida, irão ter como lema: “De cada um de acordo com a sua capacidade, a cada um de acordo com as suas necessidades.” Essas 18 palavras, segundo o economista John Kenneth Galbraith, tiveram maior efeito revolucionário do que os três volumes de O capital. No século XX, economistas e filósofos do mais variado espectro defendem a proposta. Procuro demonstrar no livro que foram justamente os economistas mais progressistas os que melhor fundamentaram o direito a uma renda garantida para todos. Proponho no livro, cujo título será A saída pela porta – Em direção à renda de cidadania, um novo passo, que todos os 170 milhões de brasileiros tenham direito à renda mínima.

ISTOÉ

Sua imagem está totalmente associada ao projeto de renda mínima. Dentro e fora do PT dizem até mesmo que o sr. é obcecado pela idéia.

Eduardo Suplicy

 Sou obstinado. Eu acredito muito nessa proposta e poderei dedicar muito mais a minha energia a outras proposições quando tiver alcançado o objetivo de instituir a garantia de renda básica para todos os brasileiros. Uma das coisas que mais aprendi a admirar, na minha formação, foram os grandes cientistas, como Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Albert Einstein, Giordano Bruno e outros. Mexeu muito comigo ler a biografia de Galileu Galilei e o diálogo de Nicolau Copérnico com sua filha. Ela perguntou ao pai por que ele insistia em dizer que a terra não era o centro do mundo, que era redonda. Constatou que ele estava incomodando a Igreja. Ele respondeu que queria saber a verdade, porque essa busca pela verdade é uma característica humana. Batalhar tanto pelo o que eu acredito pode ter me custado a perda de algo extremamente precioso, ou do que mais eu amo, mas espero que um dia isto ainda possa ser mais bem compreendido.

ISTOÉ

O sr. se refere à separação?

Eduardo Suplicy

Dentre os fatores que podem ter contribuído (longa pausa, olhos marejados) para um certo (pausa) desamor está a insistência em batalhar pelas coisas em que acredito.

ISTOÉ

Pesou mais a insistência com o tema da renda mínima ou a idéia de se candidatar a presidente?

Eduardo Suplicy

Estão relacionados, não?

ISTOÉ

A reviravolta que na sua vida pessoal não poderia estar ligado a outros fatores, como por exemplo o fato de Marta ter assumido a prefeitura?

Eduardo Suplicy

Talvez. Tudo está relacionado. Ademais tudo isso é tão complexo. Como eu próprio não tenho a compreensão completa do fenômeno, então não sou a melhor pessoa para explicar.

ISTOÉ

Há resistência do PT em relação ao projeto de renda mínima?

Eduardo Suplicy

Essa resistência hoje está muito diminuída. No início do debate interno, houve preocupações de economistas do partido e eu cito o Aloizio Mercadante. Hoje ele tem tido um diálogo muito construtivo sobre esse assunto comigo. Markus Sokol, que representa a corrente trotskista O Trabalho, considera o programa de renda mínima, o orçamento participativo e outras proposições do PT políticas insuficientes e inadequadas. Mas é um segmento do partido. Eu considero o debate com Sokol estimulante.

ISTOÉ

Mas o projeto fome zero, que está sendo elaborado pelo Instituto da Cidadania, dirigido por Lula, prevê a distribuição de cupons de alimentação e não de dinheiro como estabelece o renda mínima.

Eduardo Suplicy

Acho muito mais eficiente o programa de renda mínima; dar o direito às pessoas de escolher no que gastar do que completar a renda das famílias pobres com cupons de alimentação. A prova disso é o que a gente vê em São Paulo, por exemplo, onde as pessoas comercializam vale transporte, vale refeição, tíquete de metrô. A pergunta que vou fazer para o Lula, no debate que haverá no próximo dia 20 sobre o projeto fome zero, é por que as pessoas trocam seus cupons por dinheiro. O fato é que as pessoas pobres necessitam comprar alimentos, mas também têm outras necessidades.

ISTOÉ

O sr. é pré-candidato do PT a presidente, mas ao que tudo indica o nome escolhido será o de Lula.

Eduardo Suplicy

 Eu quero que o candidato à Presidência pelo PT, não importa se eu ou ele, venha a defender as propostas que tenho feito, como o renda mínima. Disse a Lula que se eu conseguir fazer com que ele assuma essas e outras idéias que proponho terei sido vencedor. O importante é que o PT seja claro e assertivo no que pretende para o Brasil.

ISTOÉ

O sr. está tendo aula de oratória para se preparar para a campanha presidencial?

Eduardo Suplicy

 Reinaldo Polito é um dos melhores professores de oratória. Certa vez ele deu uma entrevista dizendo que em seis horas de aula eu melhoraria muito. Resolvi procurá-lo, no segundo semestre do ano passado, porque queria aperfeiçoar a minha fala. Para ter maior objetividade, falar melhor, ter uma melhor entonação em entrevistas, debates, palestras. Ele me disse que estou tendo ótimo desempenho.

ISTOÉ

Há informações dentro do PT de que a sua pré-candidatura é um incômodo para Lula, que não estaria disposto a participar de prévias.

Eduardo Suplicy

 Eu disse a Lula que se a minha pré-candidatura o prejudicasse, ou ao PT, não me inscreveria. Mas ele me respondeu que eu tinha toda a legitimidade e condição para ser candidato a presidente. Nas diversas vezes em que conversei com Lula nesses últimos meses ele reiterou isso. Disse que gostaria de preservar a nossa amizade, que nasceu em 1976. Tenho a certeza de que o procedimento de Lula a meu respeito nesse episódio vai ser também de refletir muito e de preservar a nossa amizade. Sobre os debates nas prévias, Lula precisa se dar conta de que debater comigo, inclusive publicamente, pode ser algo exemplar da parte do PT para os outros partidos. Acho que seria positivo o debate, inclusive transmitido publicamente pelos meios de comunicação.

ISTOÉ

E o PT quer o debate público?

Eduardo Suplicy

 Se alguns membros do PT têm receio de que os meios de comunicação poderão utilizar esse debate para atingir o partido, eu asseguro ao Lula e aos membros do partido que não serei instrumento de ataque a ele, para uso dos adversários. Vou debater idéias da maneira mais construtiva possível.

ISTOÉ

Há polêmica dentro do PT sobre a contratação do publicitário Duda Mendonça, que trabalhou com Paulo Maluf, para a campanha do PT em 2002. Qual é a sua opinião?

Eduardo Suplicy

De início tive preocupação em relação ao PT contratar Duda Mendonça. Ele havia trabalhado para Maluf, inclusive em momentos em que fui candidato, como em 1992. Em 1998, ele também trabalhava para Maluf quando Marta foi candidata a governadora e eu, ao Senado. Nessas ocasiões a campanha de Maluf foi muito agressiva com relação a mim e a Marta. Mas eu conversei com ele há três meses. Estou respeitando seu trabalho, é um esforço sério. Acho que poderá contribuir para melhorar a imagem do PT. Profissionalmente é uma pessoa séria. Procurou o PT como uma opção mais próxima do que efetivamente ele pensa.