Desde a morte do filho em abril do ano passado, o analista de sistemas Paulo Pavesi, 33 anos, trava uma luta contra médicos envolvidos num complicado processo que está no Ministério Público Federal. Pavesi quer descobrir o que está por trás da doação de órgãos de Paulinho, na época com dez anos. O menino caiu de uma altura de dez metros, quando brincava em sua casa, em Poços de Caldas (MG). Teve traumatismo craniano e foi diagnosticada morte encefálica (quando o cérebro deixa de funcionar). O pai, então, autorizou a doação de córneas e rins. A partir daí, ocorreram diversas irregularidades. “Desconfio que a morte do meu filho foi apressada quando souberam da possibilidade do transplante”, diz.

Pavesi briga com o Hospital Pedro Sanches (onde Paulinho foi internado), a Santa Casa de Misericórdia (encarregada dos transplantes), o nefrologista Álvaro Ianhez (na época coordenador da Central MG-Sul Transplantes) e sua equipe (os médicos Cláudio Carneiro Fernandes e Celso Scafi). Sua batalha começa a dar resultados. Nesta semana deve sair o laudo da exumação do corpo do garoto, realizado a pedido da Polícia Federal. Em março deste ano, a instituição abriu inquérito para apurar o caso. Documentos obtidos por ISTOÉ mostram que existe muita poeira embaixo deste tapete (confira ao lado).

Quando Pavesi autorizou as doações, foi acionada a Central MG-Sul Transplantes (atualmente desativada). O primeiro exame, feito pelo Pedro Sanches, não diagnosticou morte cerebral. Nesse hospital, aliás, diversos testes foram realizados, mas eles sumiram (a entidade diz que os papéis foram entregues a Ianhez, que nega o fato).

Na sequência, a criança foi levada à Santa Casa de Misericórdia para que mais um exame de morte encefálica fosse feito. Dessa vez, o resultado foi positivo. O processo, entretanto, não ocorreu como manda o figurino. Um dos problemas é que foi anotado num documento da Central MG-Sul apenas o horário do primeiro exame. O segundo, realizado na Santa Casa, não tem registro. A atitude contraria a resolução 1480/97 do Conselho Federal de Medicina. Segundo ela, os médicos precisam relatar os dois resultados. “Há um documento no inquérito que mostra os dois horários”, assegura Abritta. Mais uma irregularidade: a Santa Casa revela que a cirurgia para retirada de órgãos se estendeu das 17h30 às 19h30 do dia 21 de abril. “O atestado de óbito do meu filho registra que a morte ocorreu no mesmo dia, mas às 19h”, aponta Pavesi.

A equipe médica também precisa explicar por que enviou as córneas de Paulinho para Campinas (SP). A medida é incorreta, pois, de acordo com a lei federal 9.434, a central mineira de transplantes, em Belo Horizonte (que coordena as demais unidades de Minas), deveria ter sido contatada para encaminhar os órgãos a pacientes da lista de espera do Estado. “Ela foi acionada. Mas era feriado e eles não vieram buscar as córneas”, alega Abritta. A central de Belo Horizonte não comentou o caso. Como se não bastasse, a lista de espera da MG-Sul não é regionalizada. Tem pacientes de São Paulo, por exemplo, o que contraria a lei federal. “A situação é séria. Uma notícia ruim pode destruir anos de trabalho de captação de órgãos”, conclui Henry Holanda, nefrologista da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos.