O fato de Jutta Kleinschmidt ser piloto de rally e ter sido a primeira mulher a vencer o temido Paris–Dacar, em janeiro, impõe respeito. Mas ver a alemã de 1,72 m chegar ao saguão de um hotel cinco estrelas de São Paulo, vinda de uma exibição de off-road com as botas e o uniforme sujos de barro, pedir um minuto para untar a pele vermelha de sol com hidratante, desmonta qualquer um. Aos 38 anos, e há 14 como corredora profissional, ela não combina com força bruta nem tampouco com Penélope Charmosa, a delicada corredora dos desenhos de Hanna Barbera. Convidada a vir ao Brasil como a madrinha do primeiro rally virtual do mundo, aproveitou para falar de suas façanhas e filosofar sobre a disputa entre homens e mulheres.

Já na adolescência, na Alemanha, Jutta rivalizava com os garotos em esportes como ski, snow board e ski bop (espécie de triciclo sem motor). “Eu só me metia em brigas. Queria fazer o mesmo que eles”, lembra. Aos 18 anos, contrariando os pais, ela comprou uma moto e passou a fazer enduros off-road. Anos depois, formada em física e engenharia, foi trabalhar na área de desenvolvimento de motores da BMW. Aí o hobby virou profissão. Em 1987, com uma moto da marca, Jutta correu seu primeiro rally, o Pharaos. Sem equipe de apoio, terminou com o motor e vários ossos do pé quebrados. Um ano mais tarde, encarava o Paris–Dacar.

Foi em 1992, ao iniciar um namoro com o piloto francês Jean Louis Schlesser, líder de uma equipe que competia no Paris-Dacar, que Jutta decidiu mudar de categoria. Alugou um buggy dele e, no ano seguinte, foi sua navegadora no UAE Desert Challenge, em Dubai. “Foi horrível. Além de não confiar nas minhas instruções, ele gritava comigo o tempo todo”, conta, aos risos. Nos três anos de convívio, passaram de parceiros a rivais. “A rivalidade entre homem e mulher aparece quando começamos a superá-los”, afirma Jutta. “Na equipe, eu era sempre a número 2. No dia em que consegui um patrocínio e um carro tão bom quanto o dele, o namoro acabou”, conta ela. Bicampeão do Paris–Dacar, Schlesser não acreditou quando Jutta o ultrapassou na contagem de pontos e levou o título. “Ela não venceu uma etapa. Não merece estar no pódio”, disse, na época, o piloto.

Mais que uma revanche contra um ex, a vitória no Paris–Dacar foi um divisor de águas em sua carreira. Após o título, ganhou uma Mitsubishi Pajero nova, com um sistema de suspensão feito sob sua orientação. “Agora os mecânicos me ouvem”, comemora. Atual líder da Copa do Mundo de Cross Country e muito requisitada para dar palestras em empresas, ela pensa em escrever um livro. Carrega a bandeira do feminismo, sim, mas é vaidosa. Por isso mesmo, quando sai para uma corrida, deixa o espelho em casa. “Detesto me ver descabelada.”


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