"O melhor time e o melhor jogador do mundo finalmente se uniram.” Assim o prestigioso jornal britânico The Times noticiava a contratação do francês Zinedine Zidane, 29 anos, pelo Real Madrid. O passe milionário de US$ 65 milhões, jamais pago a nenhum outro jogador na história do futebol, reforçou a imagem de que o clube espanhol é sobretudo uma forte marca internacional.

Não é à toa que a página oficial do clube na internet começa a se incrementar para oferecer aos internautas a possibilidade de navegar em um idioma a mais, além do espanhol e do inglês: o japonês. Para o Real Madrid, o mercado nipônico representa o potencial de uns 80 milhões de compradores, telespectadores e assinantes. Desta e de outras estratégias tem se caracterizado a gestão do atual presidente Florentino Pérez, que, em apenas um ano, conta com outras grandes investidas, como a compra do passe do português Luis Figo, a venda da Ciudad Deportiva (Cidade Esportiva) e a reconquista da Liga espanhola. “O Real Madrid é uma das marcas mais importantes do mundo e com a contratação de grandes jogadores conjuga-se o prestígio com a marca”, diz Pérez.

Atualmente não se trata de os jogadores serem melhores ou piores no mercado em razão de quantos gols fazem, mas, sim, do dinheiro que ajudam seus clubes a embolsar. E nos dois quesitos o Real Madrid parece estar bem servido: Figo, o troféu Bola de Ouro; Zidane, o melhor jogador do mundo segundo a Fifa; Raúl, o maior artilheiro tanto da Champions League como da Liga espanhola; Fernando Hierro, o capitão do time e dono da zaga; e o brasileiro Roberto Carlos, com sua admirável capacidade física. Um quinteto invejável no clube que ganhou o maior número de Copas da Europa e Ligas espanholas. E que ainda conta com lendários craques, como Alfredo Di Stéfano, Jorge Valdano e Emilio Butragueño, entre seus cartolas. E é justo nesta boa fase do clube que o atacante brasileiro Sávio afirma que chegou sua hora de brilhar. “Quando especularam minha saída do clube, sofri muito. Agora estou centrado, tranquilo, esperando a oportunidade para mostrar meu futebol”, afirma Sávio, que saiu do Flamengo como grande promessa de craque, teve altos e baixos e hoje se firma como titular.

Apesar do sucesso financeiro, a diferença de uma empresa para um time de futebol acaba sendo o que há além das cifras contabilizadas. Existe a paixão, o sonho dos torcedores, que presidentes, diretores financeiros e chefes de marketing se arruinariam caso esquecessem de atender. Mas, para tornar essa magia rentável, os espaços vazios nas laterais dos campos de futebol vão sendo tomados por marcas e slogans, e as negociações para possibilitar, entre outros investimentos, salários milionários como o de Zidane, que receberá cerca de US$ 7 milhões por temporada, vêm de todos as frentes.

Essas receitas saem de publicidade tanto estática como televisiva, de direitos de imagem dos jogadores e de investimentos de milhões de dólares por parte de multinacionais, receita que se completa com todo tipo de merchandising, não desprezando souvenirs como isqueiros, bonés, camisetas, cachecóis estampados com sua marca. Agora, mais do que nunca, as empresas patrocinadoras terão de abrir, e bastante, a carteira. Se para estampar publicidade na camisa do Real Madrid eram pagos cerca de US$ 3 milhões, hoje se especula que ninguém anunciará ao lado do logotipo do clube por menos de US$ 10 milhões. A marca Real Madrid vale, segundo estudo da empresa FutureBrand em 50 clubes de futebol e escuderias de F-1, US$ 140 milhões, só superada pela Manchester United, avaliada em US$ 235 milhões. O Barcelona aparece em sétimo lugar, estimado em US$ 75 milhões.

Mil nomes – Mesmo assim não faltaram propostas. Desde a contratação de Zidane, o Real Madrid recebeu telefonemas da China, do Kuwait e da Arábia Saudita interessados em obter licença para exploração de produtos. Até um banco argelino teria se oferecido como patrocinador do francês, o homem de US$ 152 milhões (caso algum outro time queira tirá-lo do Real Madrid) e mil nomes, conhecido como Zinedine Zidane, ZZ, Zizou, Yazid. Porém, quem ganhou a parada foi a Adidas, que passou a ter sua marca impressa no uniforme do craque.

Mas o dinheiro também vem de outras fontes. Na Espanha, todos os clubes de futebol, de primeira e segunda divisões, são sociedades anônimas (com exceção do Real Madrid, Athlétic de Bilbao e Barcelona) e fazem parte da Liga de Futebol Profissional (LFP), que divide entre todos eles (são 44) sua receita de milhões de pesetas. O dinheiro arrecadado pela LFP, que em 1985 era de US$ 2 milhões e este ano provavelmente chegará aos US$ 31 milhões, vem da loteria esportiva espanhola, de publicidade, de imagem e da televisão, que cobre 80% dos gastos dos clubes. Em plena guerra de audiência, são as emissoras que transmitem as partidas que conquistam os espectadores e, consequentemente, recebem uma bolada dos anunciantes.

Embora a entrada de dinheiro seja abundante, o Real Madrid se vê submerso em uma dívida de US$ 112 milhões a curto prazo, US$ 82 milhões a longo prazo e mais uns US$ 35 milhões que, segundo auditores, devem ser acrescidos ao valor total por erros nos balanços apresentados pelo clube. Mas, em plena “Era Zidane”, o Real se vê próximo de liquidar essas pendências e sanear sua economia. A saída para o time é a venda da Ciudad Deportiva: 148.677 dos 225 mil metros quadrados de área não edificada para a construção de quatro arranha-céus de até 45 andares, um complexo empresarial batizado de Madrid Arena. De acordo com o convênio urbanístico firmado em princípio de maio, uma das torres será da prefeitura, a outra, dividida entre o Real Madrid e a Comunidade Autônoma de Madrid (governo madrilenho) e as duas restantes, exclusivas para o clube. De olho na candidatura de Madri para as Olimpíadas de 2012, também será erguido um palácio esportivo com 6.750 vagas de estacionamento e área verde.

Imobiliária – Um dos possíveis compradores é a petrolífera Repsol YPF, a maior da Espanha e da Argentina, com negócios no Brasil. O clube irá embolsar 3.500 pesetas por cada metro quadrado, o que somam US$ 515 milhões. O Madrid Arena é a operação imobiliária mais importante a ser realizada na capital espanhola nos próximos anos. Além das cifras altíssimas, se trata de construção em uma das zonas mais caras de Madri, o Paseo de La Castellana. “Terminaremos com uma dívida monstruosa. A decisão permitirá fazer ainda maior o mito do Real Madrid”, disse o presidente Pérez logo após a votação de 92% dos sócios a favor da venda da Ciudad Deportiva.

Outro passo importante para estabilizar as contas foi o investimento da maior entidade pública financeira espanhola, a Caja Madrid (Caixa de Madri), que aplicou US$ 67 milhões para ser sócia do Real Madrid, tornando-se proprietária de 20% de sua filial financeira. Esta sociedade facilitará a entrada do clube na Bolsa de Valores até 2003. Enquanto isso, explorarão, juntos, os direitos de imagem do Real, assim como a bilheteria, os direitos de televisão, patrocínios e merchandising. Graças a esta parceria a arrecadação do clube nessa temporada (US$ 25 milhões) foi bem superior à passada (US$ 3,6 milhões).

Para pagar a dívida e equilibrar o orçamento, que hoje é de US$ 98 milhões, e continuar crescendo, o clube cortará cerca de US$ 60 milhões em gastos. O presidente Pérez também contratou a empresa Arthur Andersen para que fizesse uma auditoria nas contas do clube durante a gestão de Lourenzo Sanz (1995-2000). O resultado foi a constatação de que 350 milhões de pesetas (cerca de US$ 1,85 milhão) desapareceram sem justificativa, assim como acontece nos clubes brasileiros. Fora isto, Pérez dará continuidade ao seu trabalho de expandir cada vez mais a marca Real Madrid e já calcula um aumento de cerca de 40% de sua receita, fruto da chegada de Zidane. Por um amistoso o clube deverá embolsar entre US$ 1,5 milhão e US$ 2 milhões e, entre outros benefícios, compartilhará os direitos de imagem com o jogador, com quem firmou um acordo para quatro temporadas. A cláusula de rescisão do meia francês é de US$ 152 milhões, como a de Raúl e a de Figo.

Zidane está sendo uma espécie de galinha dos ovos de ouro. Nem Figo, nem Raúl e nem Roberto Carlos causaram a corrida dos torcedores às lojas de artigos futebolísticos. Só em uma loja, a oficial do estádio Santiago Bernabéu, foram vendidas, por US$ 60 cada, mais de mil camisetas em apenas dois dias. O que supõe uma entrada de cerca de US$ 25 para o clube por unidade. O craque francês vestirá a camisa cinco que nos últimos anos foi do histórico capitão Manolo Sanchís. Ele renunciou à número dez com a qual disputava os jogos da seleção francesa, porque, no Real Madrid, é a que leva Figo, que por sua vez abdicou da número sete (da seleção portuguesa e que deu nome ao Bar Sete, do qual é proprietário), que é a de Raúl.

Embora lucrativa, a chegada de Zidane mexeu com o brio de outros que já vestiam a camisa branca há mais tempo. Festejado pelos jornais europeus com manchetes como a do francês Le Parisien, que na capa coroava Zidane “Zizou I, rei da Espanha”, o jogador pisou em Madri despertando inveja. Iván Helguera foi um dos que se sentiram desvalorizados ao comparar passes e salários. “Tenho a intenção de continuar no clube, mas não a qualquer preço.” Para o jogador, a proposta que recebeu, e que manteve em sigilo, estava abaixo de suas expectativas. Iván tem contrato com o Real Madrid até 2004 e uma cláusula de rescisão de US$ 60 milhões. Outro que protestou foi Roberto Carlos, que tem cláusula de rescisão fixada em cerca de US$ 70 milhões: “Eu ganhei duas Copas da Europa. Zidane, nenhuma. Está claro que eu tenho que receber mais do que ele.” Zidane, por sua vez, demonstrou humildade e afirmou não valer tanto. “Disse faz tempo que essas somas de dinheiro são enormes e não acho que valha isso. Sou consciente e sigo pensando igual, mas o Real pagou.” A repercussão da contratação de Zidane vem também de jogadores de outros times europeus de olho no filão. “O sonho da minha vida era jogar no Real Madrid até que chegou o Milan e me ofereceu mais dinheiro. Agora mudei de opinião”, diz o português Rui Costa.

Internet – Zidane, que, segundo seu contrato, deverá ceder ao Real Madrid, além de metade de seus direitos de imagem, a mesma fração em direitos de internet, já tem feito aulas particulares de espanhol para estar mais próximo de seus torcedores (embora casado com uma andaluza, tem usado, na Espanha, o francês para se comunicar) e lançou uma versão de sua página (https://www.zidane.fr/) em castelhano. Logo no primeiro dia de apresentação de Zidane, para 400 jornalistas de todo o mundo, o site do clube (https://www.realmadrid.es), avaliado em aproximadamente US$ 100 milhões, entrou em colapso. Acostumado a ser visitado por oito milhões de internautas ao mês, a página recebeu, em apenas um dia, quatro milhões de navegantes.

Com tantos investimentos, o Real Madrid promete ter, além de seu centenário, muito o que comemorar, no ano que vem, com seus 70 milhões de torcedores em todo o mundo. Agora é entrosar o time para que não ocorram surpresas como a derrota de 1 x 0, no sábado 4, no Cairo, para o modesto time egípcio Al Ahly.

O rei Midas do futebol

O presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, acaba de comemorar um ano à frente do clube e já alcançou boa parte de seus objetivos: transformar o time numa marca internacional de fazer dinheiro. Na Europa, sua popularidade está em alta e ele já foi batizado pela imprensa européia como o Rei Midas do futebol. Empresário com vocação para político ou vice-versa, ele tinha como primeira pretensão profissional ser diretor de cinema. Entrou na universidade com essa idéia na cabeça, mas acabou saindo com diploma de engenheiro civil. E foi graças a seus conhecimentos acadêmicos e a um amigo, de sua vasta gama de relações influentes, que acabou se metendo na política. Eleito vereador por Madri, em 1980, teve entre seus projetos encher de peixes o rio Manzanares, que circunda o estádio do rival Atlético de Madrid. Não teve grandes êxitos. Mas não foi este o motivo da efemeridade de sua vida política, que acabou dois anos mais tarde. O partido ao qual era filiado, União de Centro Democrático (UCD), perdeu as eleições e deixou de existir.

A partir daí pôs em marcha sua carreira empresarial e depois virou cartola. Pérez, que tentou sem sucesso a presidência do Real Madrid em 1995, quer ver seu clube bem representado em todos os foros. Ele se prepara para debutar como vice-presidente da Liga de Futebol Profissional. Disciplinado, não gosta de ver papéis em cima da mesa por achar que é sinal de trabalhos pendentes. Aos 53 anos, Pérez ensina: “Um clube acostumado a ganhar, o que devia fazer é investir. Isto é o que estamos fazendo.”