O gol de Rivaldo, nascido de uma jogada desconcertante de Denílson, interrompeu, pelo menos momentaneamente, um calvário nunca antes vivido pela Seleção Brasileira. A pátria de chuteiras, expressão imortalizada por Nelson Rodrigues para definir o amor do brasileiro pelo futebol, foi revivida na vitória por 2 a 0 contra o Paraguai, em Porto Alegre. O apoio total e irrestrito dos gaúchos foi fundamental para tirar o Brasil do sufoco nas Eliminatórias para a Copa de 2002. Os três pontos levaram a equipe ao quarto lugar do torneio, atrás, para nosso desespero, da Argentina, do próprio Paraguai e do Equador. Classificam-se para a Copa 2002 os quatro primeiros colocados. Especialistas calculam que o Brasil precisará de oito pontos nos quatros jogos restantes para garantir a classificação. A próxima partida será contra os argentinos, em Buenos Aires, no dia 5 de setembro. Depois, a Seleção enfrenta, em 7 de outubro, o Chile no Brasil, joga contra a Bolívia em La Paz, no dia 8 de novembro, e encerra a campanha aqui, no dia 14 de novembro, contra a Venezuela.

Quem passasse pela capital gaúcha durante a semana teria a impressão de que o Brasil ainda é o melhor time do mundo, e não o que conseguiu perder para Honduras há menos de um mês. Convocado pelo técnico Luiz Felipe Scolari, um conterrâneo diretamente interessado em um resultado positivo, o povo do Rio Grande do Sul deu à Seleção aquilo que ela, por culpa própria, não tinha há muito tempo: carinho e confiança. A vitória brasileira começou a ser desenhada quando a CBF levou o jogo para Porto Alegre. Scolari sabe de cor o nome das principais ruas e avenidas da cidade. Conhece até os tijolos do Olímpico, local da partida e estádio do Grêmio, time que lhe deu projeção nacional. Felipão conseguiu unir todos os rincões e querências do Rio Grande em torno da Seleção. A estratégia foi cuidadosamente traçada. O primeiro passo foi conquistar a exigente imprensa gaúcha. Em Curitiba, onde a Seleção treinou, o técnico jantou com os representantes dos principais meios de comunicação gaúchos e pediu apoio. Argumentou que, caso não houvesse solidariedade, a classificação estaria ameaçada. Jornais, rádios e tevês aderiram ao pacto e mobilizaram a torcida. A Rede Brasil Sul (RBS), dona do jornal Zero Hora, distribuiu duas mil camisas da Seleção.

Apoio “político” – O passo seguinte era buscar o apoio do poder. O governador Olívio Dutra e o prefeito Tarso Genro, ambos petistas e torcedores do maior rival do Grêmio, o Internacional, também aderiram à causa. Dutra apareceu nas tevês exortando a população a empurrar os 11 rapazes de Felipão. Genro mandou pintar de verde e amarelo as guias e calçadas da avenida Érico Veríssimo, principal via de acesso ao Olímpico. Felipão conseguiu o que parecia impossível: unir colorados e gremistas. Os rivais históricos trocaram as bandeiras permanentemente hasteadas em seus estádios pelas do Brasil. A colocada no Olímpico tinha mais de 70 metros quadrados. Os gaúchos praticamente pegaram a Seleção no colo. Quase duas mil pessoas foram recepcionar o time no aeroporto. “No caminho para o hotel, nenhum torcedor vaiou ou xingou, como acontece no Rio e em São Paulo”, dizia um deslumbrado Rivaldo. No dia do jogo, milhares de colorados e gremistas saíram às ruas, lado a lado, para saudar o ônibus no caminho para o estádio. Todos os 48,5 mil ingressos foram vendidos. Entusiasmado, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, pensa em levar os jogos contra Chile e Venezuela também para Porto Alegre. Prometeu também que, se o Brasil vencer a Copa 2002, a capital gaúcha será a primeira cidade a ser visitada pelos jogadores. Em Porto Alegre, surgiu a informação de que Teixeira poderia renunciar para se livrar das CPIs da Câmara e do Senado. Mas, pelo jeito, ele não deixará a CBF tão cedo. A vitória representou um alívio. Mas a Seleção precisa melhorar muito para que Teixeira possa cumprir a promessa feita aos gaúchos.

“O futebol brasileiro está decadente”
O goleiro paraguaio Chilavert fez de tudo durante a sua passagem pelo Brasil. Menos jogar futebol. Ele cuspiu no lateral Roberto Carlos, atirou pedras em torcedores, jogou o celular de um repórter no lixo e provocou jornalistas brasileiros. A bronca começou com Felipão. Antes da partida, o técnico pediu aos jogadores para chutar bastante porque Chilavert estava pesando “400 quilos”. A resposta foi irônica. “Meu peso ideal é 250 kg”. No jogo, o escolhido foi Roberto Carlos. Os dois passaram o tempo todo se provocando. No final, veio a discussão. “Ele me chamou de filho-da-puta e eu cuspi na cara dele. O Roberto Carlos é um cagão. Se tivesse ficado um segundo a mais na barriga da mãe, seria um ‘tontito’ (retardado)”, disse. Depois, atirou pedras em torcedores que o xingavam nas arquibancadas. No caminho para o vestiário, o repórter de uma rádio gaúcha tentou entrevistá-lo. Enfurecido, Chilavert tirou o celular das mãos do jornalista e jogou o aparelho numa lata de lixo. Na coletiva, mais provocações. “O Paraguai foi roubado”, esbravejou, em relação a um pênalti cometido por Rivaldo e não marcado. “O futebol brasileiro está decadente. Dificilmente se classificará para a Copa”, cutucou. “Vou ser o maior torcedor da Argentina no jogo contra o Brasil”. No final, ainda sobrou para um jornalista, que havia dito que o goleiro Taffarel, com os mesmos 36 anos, ainda jogava na Europa, enquanto o paraguaio estava em fim de carreira. “O Felipão deve ter se inspirado na sua figura quando disse que eu peso 400 quilos”, disparou, ironizando as formas avantajadas do repórter.