Na década de 70, era costume falar de um futuro imaginário quando seria possível congelar uma pessoa que despertaria, anos depois, numa nova realidade. Ao se levantar do repouso ártico, viria o choque de saber dos amigos mortos, das pessoas e dos tempos mudados, das ilusões perdidas. Em As cinco estações do amor (Record, 208 págs, R$ 24), o diplomata, fotógrafo e escritor João Almino, ao contrário, mostra que não há nada melhor que saborear o tempo presente e viver o instante atual para testemunhar a perpétua mutação do universo. A emancipação feminina, a liberação sexual e a crescente violência urbana são o pano de fundo para a história de Ana, uma emancipada que sonha ser audaciosa e destemida.

Para cumprir um antigo pacto firmado entre os amigos de juventude, ela organiza uma festa de celebração à virada do milênio. Pouco a pouco, os amigos chegam e inicia-se o inevitável balanço de vida. O primeiro baque vem na figura de seu ex-namorado Norberto, que, depois de uma cirurgia e alguns mililitros de silicone, ressurge como o transexual Berta. A passagem do tempo fica ainda mais cruel quando a anfitriã resolve exorcizar o passado, limpando gavetas e lançando lembranças ao lixo.

Almino traduz com sensibilidade as angústias de Ana, mulher como tantas outras, obrigada a uma atualização perene de costumes. O livro trata de pessoas comuns, que vivem à espreita do eterno recomeço. Também fala dos vários tipos de amor, da paixão ardente à amizade banhada a sexo e, por fim, da insuportável consciência de que não existe o amor ideal. Poucos autores são capazes de traduzir os anseios e os desejos femininos com precisão. João Almino não é Chico Buarque, mas soube usar sua pena com maestria.


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