O que levou o escritor americano Mark Twain – em pleno século XIX e já consagrado por obras do calibre de As aventuras de Tom Sawyer e As aventuras de Huckleberry Finn – a dedicar parte de sua vida à história da donzela que, 400 anos atrás, desafiara os invasores ingleses da França e a própria Igreja, sendo queimada viva em nome da liberdade de sua pátria? Pois ele fez questão de descartar todas as pressões contrárias e perpetrou, com o fôlego de homem maduro, o romance Joana d’Arc (Record, 490 págs., R$ 45).

Criar algo de novo na trajetória da heroína e pretensa herege não é tarefa fácil. E este era um dos pontos que mais atraíam Twain ao desafio. Com farta documentação, preservada a partir dos anais do processo aberto pela Inquisição para levar Joana à fogueira, sobrava pouco espaço para romancear os fatos históricos. Mas que bela obra conseguiu produzir Mark Twain! Sem sentimentalismos baratos, ele se distancia da personagem ao introduzir um narrador, não por acaso seu mais próximo conselheiro, que a acompanhou da infância ao suplício e que, quando da reabilitação, seria uma das principais testemunhas.

Com minuciosa pesquisa de todas as fontes bibliográficas existentes, o autor dedicou-se com afinco a traduzir a fragilidade da bela menina que mobilizou os abatidos exércitos do rei Charles VI, sem, todavia, perder o tom irônico que surge naturalmente ao se pensar no absurdo de os céus precisarem invocar a força daquela mocinha como último baluarte da coragem e da honra de uma nação. Curiosamente, a pré-revolucionária Joana, mesmo sendo filha do povo, não era das figuras mais populares entre os próceres da Revolução Francesa. Talvez por este motivo, os intelectuais contemporâneos de Mark Twain tenham torcido o nariz para o livro publicado em 1895 e que o autor referendaria, até o fim de sua vida, como sua melhor obra.