Quando o Jewish Museum, de Nova York, anunciou que estava montando a exposição Marc Chagall: early works, houve quem torcesse o nariz. Os plantonistas da crítica lembraram que o mesmo museu já havia feito uma gigantesca mostra dos trabalhos do mesmo artista há cinco anos. Também apontaram falhas e ausências graves na sequência que se propõe a delinear a evolução dos primeiros trabalhos do grande pintor bielorusso, que genialmente documentou a alma judaica de sua terra. Mas o público, ignorando os chiliques da crítica, adorou a oportunidade de se deliciar, até 14 de outubro, com as 59 telas e desenhos expostos. As filas dobram quarteirões, dando plantão antes mesmo de o museu abrir suas portas na rua 92 com Quinta Avenida, em Manhattan. Alguém gostou muitíssimo do que viu e roubou a pequenina tela de 12 cm x 15 cm, Estudo sobre Vitebsk, de valor estimado em US$ 1 milhão. O Jewish Museum está oferecendo US$ 25 mil para quem der informações seguras que levem à recuperação do quadro.

Portanto, agora totalizam 58 obras representantes da metade de todo acervo de Chagall (1887-1985) na Rússia. São trabalhos sobreviventes dos desmandos e do descaso do antigo regime soviético, que não o via com bons olhos. A mostra é uma lição pioneira sobre a trajetória de um gênio. Uma crônica das primeiras fases do artista – no período entre 1907 e 1922 –, com trabalhos realizados nas cidades de Vitebsk, sua terra natal, São Petersburgo, Moscou e Paris, por onde passou pela primeira vez entre 1910 e 1914. Estão presentes também os desenhos carregados de tintas emocionadas dos refugiados e soldados vindos dos fronts ocidentais da Primeira Guerra, que Chagall imortalizou depois da volta de Paris. O triunfo da ótima recepção de suas obras na França e na Alemanha e a alegria do casamento com sua amada Bella Rosenfeld foram substituídos pela angústia da guerra e, em seguida, pelo curto namoro malsucedido com a revolução russa de 1917.

Chagall só emergiria novamente para o mundo ocidental depois de 1922, quando finalmente foi para o exílio parisiense. As telas e os desenhos expostos no Jewish Museum foram o pavimento de uma estrada que conduz às obras-primas dos murais de teatro pintados em Moscou, que ocupam a galeria final do museu. São sete painéis, dois deles com mais de oito metros de comprimento, considerados pedras angulares do movimento modernista, embora alguns críticos enxerguem nos murais os prenúncios do neo-expressionismo que estaria por vir. Tanto que consideram Chagall uma espécie de padrinho do movimento, principalmente quando se fala na sua produção derradeira. Do período inicial, encontram-se telas fundamentais como a irresistível Amantes em azul, de 1914. A inspiração, claro, vem do reencontro de Bella com o artista, depois da sua estada em Paris. O singular efeito emocional é alcançado pelo predomínio de azul.

Outra tela emblemática é Música, de 1920, com o violinista de cara verde, que se transformou num dos quadros mais reconhecidos do artista e no qual a animação toda vem da fragmentação física e visual da superfície. Tal sofisticação rebaixa ainda mais ao ridículo as acusações bolcheviques de que Chagall era “apenas” um “artista folclórico ingênuo”. Rótulo muito estranho, principalmente vindo de uma revolução que se dizia popular.