Em seus 57 anos de vida, Marília Pêra lembra que só uma vez teve vontade de se passar por homem. Foi quando viajou sozinha a Roma e, sempre que saía para jantar, virava alvo dos paqueradores de plantão. Agora, enfiada em fraque e cartola, a atriz projeta por duas horas a sensação do passado. Encarna no palco do Teatro Cultura Artística, em São Paulo, o conde Vítor Grezhinski na deliciosa comédia musical Vítor ou Vitória, baseada no filme e musical da Broadway, estrelados por Julie Andrews. Na verdade, trata-se de um sonho realizado pela metade porque no espetáculo Vítor é Vitória, uma mulher fingindo que é um homem, que finge que é mulher.

Antes de vestir o papel, Marília emagreceu quatro quilos. Precisava se mostrar magrinha para enfrentar todos os números de dança e suportar com mais força a quantidade de penduricalhos que carrega no corpo e na cabeça. “Somando sapatos, apliques, pedras e cristais dá mais ou menos 20 quilos”, contou ela a ISTOÉ. Cantora de bons recursos e dançarina de teatro de revista na juventude, ela se mostra perfeita no palco. Jorge Takla, diretor e produtor do musical, que já a havia dirigido no papel de Maria Callas no inesquecível Master class, diz que só Marília Pêra poderia assumir a empreitada brasileira. “Trata-se de um papel escrito para uma grande estrela, independentemente de ela ser atriz, cantora e bailarina”, diz ele.

O elenco de apoio, formado por 31 atores e dançarinos, também tem seus momentos de brilho, com destaque para o trio Daniel Boaventura (King Marchan), Drica Moraes (Norma Cassidy) e Renato Rabelo (Squash Bernstein). Boaventura interpreta um gângster de Chicago, que se apaixona por Vítor tendo a certeza de se tratar de uma mulher. Drica é sua amante, protótipo da loira burra. Rabelo, com trejeitos de Dick Tracy, faz o hilariante guarda-costas do gângster, por quem Caroll Todd (Leo Jaime) – o amigo gay de Vitória – cai de amores. Nas sessões especiais que antecederam a estréia na sexta-feira 17, o público se divertiu muito com a mistura de situações. Sabiamente, Takla evitou macaquear o musical da Broadway e aplicou R$ 1,5 milhão do próprio bolso numa versão bem brasileira, acrescentando todos os temperos da malandragem.