“A convivência diária, se os apaixonados não têm imaginação, pode acabar até com o amor mais intenso” (Otávio Paz em A dupla chama: amor e erotismo)

"…e foram felizes para sempre.” A frase, parece, só pode mesmo ser extraída de contos de fadas. Na vida real, é difícil acreditar que um amor sobreviva à rotina. A paixão do começo de relação vem sempre temperada com um delicioso frio na barriga e a impressão de estar nas nuvens. Mas, aos poucos, essas sensações são trocadas por cansaço, intolerância, apatia e, o pior, falta de apetite sexual. Atualmente, é raro ver um casal que mantenha uma relação feliz e sadia por anos e anos. Muitos especialistas atribuem o fracasso do casamento à sublimação do desejo. A conquista amorosa – que deveria ser alimentada no dia-a-dia – é consumida por contas a pagar, cuidados com os filhos e problemas no trabalho, que acabam virando prioridade. A vida a dois é, assim, deixada de lado. Uma pesquisa publicada esta semana mostrou que as italianas trabalham, em média, 11 horas por dia, duas a mais do que mulheres de países vizinhos. O resultado, claro, é que o sexo fica em último plano: dedicam a ele apenas uma hora a cada 15 dias. Aqui o quadro não é muito diferente. Um estudo realizado pelo International Stress Management Association do Brasil apontou que a carga horária do brasileiro pulou de 47 horas semanais para 49 nos últimos cinco anos. Num primeiro momento, esse número pode não assustar. Mas a psicóloga Ana Maria Rossi, coordenadora da pesquisa e presidente do instituto afirma que esse acréscimo tem consequências diretas na cama. “Pelo menos 15% das pessoas que sofrem stress no trabalho têm algum tipo de disfunção sexual. Quando a pressão domina o cotidiano, essa taxa sobe para 40%”, diz a especialista.

Para evitar que esse trator passe por cima do desejo, o primeiro passo é constituir um plano de metas. Estabelecer prioridades. Se fazer amor for a última das preocupações do casal, provavelmente será a primeira a ser descartada. “O sexo deve ser tão importante quanto qualquer outro aspecto da vida em família”, alerta Ana Maria. Ela explica que uma das maneiras de impedir que as burocracias do escritório invadam a cama é estabelecer “rituais de passagem” do trabalho para casa. Ou seja, em vez de vir pelo caminho mastigando os problemas, o melhor é ouvir uma música relaxante, desligar o celular e tirar o relógio do pulso. Ao chegar em casa, em vez de cair no sofá, é melhor tomar um banho, colocar uma roupa bonita e agir como se fosse encontrar a pessoa amada pela primeira vez. Isso inclui comprar algumas lembranças pelo caminho.

O analista de comercialização Luiz Moretto, 24 anos, leva à risca essa recomendação. Namora há três anos e meio com a estudante universitária Lucyenne Davies, 27, mas a presenteia como se estivessem no começo da relação. “Ele chega em casa e eu fico feito criança esperando a surpresinha do dia”, delicia-se Lucyenne. Moretto acredita que esses pequenos agrados ajudam a aliviar o stress e, de quebra, esquentam o namoro. “Como trabalho e estudo, fico a maior parte do dia preocupado. Quando paro para comprar um presentinho para a Lu, me distraio e a agrado”, conta Moretto. Em um de seus “surtos” românticos, o jovem chegou a encher o quarto de velas, só para receber a namorada. Esses pequenos cuidados, como explica a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, são vitais para combater o stress inerente à rotina das relações. “A sabedoria de agradar o outro é uma vantagem das relações duradouras. Compensa o desgaste do dia-a-dia”, ensina a especialista.

Hormônios – Se os pequenos agrados e outras técnicas de combate ao stress parecerem um esforço tremendo é sinal de que o mal pode ter adquirido proporções maiores, passando a comprometer o físico. A sexóloga Marilene Vargas, autora do recém-lançado Manual do tesão e orgasmo 2001 (Ed. Civilização Brasileira) explica que o stress não é apenas psicológico. Tem íntima ligação com o funcionamento hormonal do corpo humano e, consequentemente, com o sexo. “Quando a pressão é constante, os hormônios cortisol e adrenalina são produzidos em maior quantidade. Isso diminui a produção da testosterona, hormônio masculino responsável pelo tesão no homem e na mulher”, diz Marilene, diretora do Núcleo de Estudos de Sexologia e Geriatria de Curitiba. Nesse caso, é bom procurar um especialista para ver se há necessidade de repor a testosterona. Entre os homens, a quantidade do chamado hormônio do prazer varia de 350 a mil nanogramas por decilitro (ng/dl) de sangue. Nas mulheres, o número gira entre 30 e 90 ng/dl, e pode dobrar durante a ovulação. “É por isso que, nesse período, o desejo da mulher aumenta”, completa Carmita.

Estética – É nessa mesma fase que, para chamar a atenção do parceiro, a mulher tende a se arrumar mais. Essa lição da natureza mostra a importância da aparência dentro de um relacionamento. Com o passar dos anos, além de deixar a rotina dominá-los, homens e mulheres ficam mais desleixados. Esquecem-se do quanto se perfumavam e enfeitavam na época do namoro só para agradar ao outro. E uma maneira de mostrar que se ama – e com isso acender a libido – é não descuidar da estética. A psicóloga Maria Virgínia Grassi, da Universidade Estadual de Campinas, afirma que os casais tendem a esquecer da aparência porque já conquistaram o objeto de desejo. “Damos mais valor para o que não temos. Mas a longevidade do amor no casamento pressupõe uma conquista constante por parte dos parceiros”, ensina a psicóloga. A socióloga paulista Maria Helena Matarazzo endossa a tese de Virgínia. “Às vezes, o casal está no auge da paixão e, quando casa, perde o interesse por que o objeto de desejo ficou ao alcance da mão.” Maria Helena acaba de lançar o livro Namorantes (ed. Mandarim), no qual analisa o comportamento dos casais, e concluiu que muitas vezes o final precoce da relação tem a ver com a cultura descartável em que vivemos. Quase da mesma maneira que consumimos roupas e eletrodomésticos, tendemos a colecionar relacionamentos.

Trocar de parceiros, no entanto, pode ser uma saída para algo que se cultiva pouco dentro de uma relação: a tolerância. A psicóloga carioca Maria Tereza Maldonado, da Academia Americana de Terapia de Família, lembra que há um grande número de relações abortadas prematuramente. Ela atribui o caráter efêmero das uniões ao consumismo e ao medo. “Intolerantes, as pessoas desistem diante das primeiras dificuldades, inclusive sexuais”, afirma. Casais “da antiga” têm uma receita quase infalível para um relacionamento dar certo. “Faz parte do pacote de amor aceitar os defeitos e qualidades do outro”, ensina a dona-de-casa Conceição Silva, 70 anos, casada há 48 com o aposentado Nilson Silva. Eles se conheceram num piquenique no interior de Minas, namoraram durante um ano, casaram-se e tiveram três filhos e seis netos. “Todo mundo pergunta qual o segredo para estarmos a tanto tempo juntos. É fácil, basta amar, respeitar e tolerar”, resume Silva.

Distância – Por respeito, entende-se também aceitar a individualidade do outro. Apesar de atados pelo laço do matrimônio, cada um tem suas vontades, manias e programas. Entrar em desespero só porque o marido vai tomar uma cerveja com a antiga turma de faculdade, por exemplo, é desgastante e não leva a nada. “Uma certa distância entre os parceiros é saudável. Ajuda o casal a sentir saudades e encontrar novidades para trocar”, analisa Maria Virgínia Grassi. A professora Roseli David, 35 anos, e o editor Reynaldo Damazio, 37, conhecem os benefícios da distância estratégica. Casados há dez anos, são pais de dois meninos, Nicolas, seis anos, e Aléxis, três. Admitem que a chegada dos filhos dificulta a manutenção da individualidade, mas garantem que nem por isso deixaram de fazer o que gostam. “Se não temos com quem deixar as crianças, revezamos as saídas. Se vou encontrar minhas amigas, ele fica em casa e vive-versa”, conta Roseli. Reinaldo acredita que quando isso ocorre eles ficam ainda mais a fim de namorar. “A gente se encontra, se abraça e se beija como se tivesse ficado longe uma semana”, diz.

São estratégias como essas que mantêm a chama acesa. E, num relacionamento, isso é mais do que importante. A prova está numa pesquisa realizada no ano passado por Maria Virgínia Grassi. Ela entrevistou 125 homens casados no Ambulatório de Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas. Todos sofriam alguma disfunção sexual – desde falta de desejo até problemas de ereção. Mas 75% deles mantinham ou haviam tido pelo menos um caso extra-conjugal. Desses, 80% pularam a cerca para verificar se suas disfunções eram restritas ao sexo com a esposa. Concluíram, entretanto, que a infidelidade não ajuda a melhorar dificuldades sexuais. De outro lado, pode dar uma “esquentada” no relacionamento, pois a culpa e a comparação entre a amante e a esposa fazem com que haja reaproximação entre o casal. Já as mulheres não fazem tanta questão de checar o seu desempenho, mas traem numa tentativa de recuperar o prazer. Nos últimos quatro anos, a ginecologista gaúcha Jacqueline Brender, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos da Sexualidade Humana, atendeu 200 mulheres com disfunção sexual, como falta de libido e dificuldade em atingir o orgasmo. Dessas, 11% confessaram trair seus maridos. Metade não chegava ao orgasmo e 30% não sentiam tesão em casa, pois a imagem que faziam de seus companheiros era de pai e provedor. “A mulher não foi educada para se identificar como fêmea, mas, sim, como mãe e boa profissional. Eles, ao contrário, são criados como seres viris”, aponta Jaqueline, que mostrou seu trabalho no 15º. Congresso de Sexualidade, realizado no mês passado em Paris.

Insegurança – Mesmo com essa fama de viris, o psiquiatra Luiz Cuschinir, coordenador do Centro de Estudos da Identidade do Homem e da Mulher, de São Paulo, acredita que muitos homens traem porque se sentem inseguros. “As mulheres esqueceram da importância de seus papéis. Elas assumiram cargos de chefia, passam o dia dando ordens e quando chegam em casa tendem a continuar na mesma sintonia, mandando nos maridos”, analisa. Essas atitudes frustram os homens, pois colocam sua masculinidade em questão. Se na hora do sexo a mulher insistir em tomar as rédeas da situação, eles ficam ainda mais inseguros e, muitas vezes, recusam-se a transar com a parceira. Por incrível que pareça, inventam desculpas como a famosa dor de cabeça. “A traição é uma consequência desse fenômeno. Como não conseguem se sentir homens dentro de casa, testam sua masculinidade fora do casamento”, completa Cuschinir.

Conversa – Juntos há 24 anos, o engenheiro Antônio Henrique Nitzsche e a arquiteta Beatriz administram bem os lados masculino e feminino da relação. Há 20 anos, os dois criaram a agência de design Animus anima, que, coincidência ou não, significa o lado feminino do homem e o lado masculino da mulher. “Invertemos os papéis de um jeito positivo. A Bia é mais prática e eu, mais sensível. Adoro conversar”, assume Nitzsche. O engenheiro é a exceção de uma regra. Os homens geralmente detestam discutir a relação e têm, por isso, sua parcela de culpa no término dos casamentos. Talvez se eles expusessem claramente seus medos e inseguranças, o relacionamento – na cama e fora dela – fluísse melhor. “Os parceiros só serão felizes à medida que mostrarem um ao outro do que gostam e de que jeito”, lembra a psicóloga Aparecida Favoreto, diretora do Instituto Paulista de Sexualidade. A base da terapia de casais, explica a especialista, é estimular o diálogo. Um estudo realizado pelo Instituto mostrou que 90% dos casais atendidos pelos terapeutas que resolvem seus problemas o fazem em até seis meses, principalmente por cultivarem o hábito da conversa.

Humor – A modelo Luma de Oliveira, 36 anos, casada há dez com o empresário Eike Batista, 44, atribui o sucesso de seu casamento ao bom humor e ao diálogo. “Não acho que a rotina seja a vilã das relações. Também não acredito que o ciúme possa alimentar um casamento. Pelo contrário, pode levar a situações ainda mais difíceis. O que pega é a falta de diálogo e humor”, decreta Luma. A bela vai além. “Eike é mais assediado do que eu. As mulheres têm mais coragem de chegar perto dele do que os homens de mim”, diz. A fama e o assédio também não atrapalham o casal Malu Mader, 34 anos, e Tony Belotto, 41, juntos há 12. Quem esbarra com eles por aí constata que a relação continua mais viva do que nunca. “É um mistério como ainda permanece”, diz Malu, franzindo o belo par de sobrancelhas. Belotto arrisca um palpite: “É fundamental combinar atração sexual e amizade.” Com certeza, o chamego e a atenção que um dedica ao outro contam bastante no exercício de manter o desejo em alta. Uma tarefa que pode não ser fácil, mas resulta, sem trocadilhos, num grande prazer.

Colaborou Lia Bock

Produção de capa – Produtora: Lívia Mund. Cabelo e maquiagem: J.R.O. Santos. Modelos: Jerome Charlemagne e Simonia dos Santos Queiroz (agência Taxi). Agradecimentos: Cinerama, Bath & Towel, LMK.