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Lamentavelmente, o vocábulo “político” foi acumulando por aqui ao longo de décadas um estigma gigantesco. Mais que isso, virou palavrão usado para qualificar interesseiros, falsários e meliantes das mais diferentes cepas. Algumas das razões que justificam esse fenômeno você pode ler em outras páginas desta revista. Só por isso vamos escolher uma palavra melhor: embaixador. Esta, evidentemente também relacionada ao que entendemos por política, ainda resiste bravamente, defendida por algumas figuras distintas que desempenham a função de fomentar as relações entre sociedades, povos e culturas.

O cidadão de cabeleira longa, corpo delgado e incisivos protuberantes não trabalhou no Itamaraty, mas há quem diga que poderia até lecionar no velho Instituto Rio Branco. Com sua habilidade natural para agregar, apaziguar ânimos e conciliar opiniões, Ricardo Fontes de Souza é sem dúvida o mais eficiente e longevo diplomata a serviço do surfe neste país. Gabriel Medina pode não saber, mas deve a ele um pouco da fama, da glória e dos prêmios que vem recebendo como o primeiro brasileirio campeão mundial de surfe. Rico, como Souza é conhecido desde moleque, foi um dos primeiros surfistas nacionais a acreditar que pegar ondas poderia ser mesmo uma maneira de ter uma vida um pouco mais emocionante, saudável e divertida do que aquela que parecia programada para 99% de seus contemporâneos nos já distantes anos 60 e 70. Assim, dedicou-se com garra a empreender como fabricante de pranchas de todos os tipos, designer e empresário de surfwear, mentor de atletas profissionais, professor do esporte e até mesmo como um dublê de meteorologista profissional. Rico é, na verdade, um protomarqueteiro do esporte, sempre voltado, sim, para a construção de sua marca e de sua carreira, mas nunca deixando de lado a lógica de que só com uma comunidade viva, forte e unida um esporte pode se transformar em uma opção de vida. Assim, com mais de 110 viagens ao Havaí no cinturão, milhares de amigos espalhados pelos sete mares e com sua profunda convicção naquilo que o professor de Harvard e escritor Adam Grant denominou “espírito alterista”, Rico desde sempre fez parcerias, ajudou colegas, adiantou o lado de amigos, cavou convites para seus companheiros de equipe e consolidou uma carreira bonita, honesta e bem-sucedida como um dos primeiros surfistas profissionais de verdade do nosso país. Uma carreira que já vai a mais de 45 anos.

Um dos sinais mais claros de sua competência é mostrado com graça e estilo no filme “Surfar É Coisa de Rico”, em fase de lançamento nos cinemas. Em plenos anos 70 e 80, época em que brasileiros eram vistos como boitatás indesejáveis que deveriam ser sumariamente banidos do North Shore havaiano, o solo sagrado do esporte, aquele magrelo de pele morena e dentes de coelho dormia na casa da lenda viva do arquipélago Eddie Aikau, circulava com o mais temido “casca-grossa” das praias na época, o belicoso Fast Eddie. De quebra, produzia competições para integrar atletas do Brasil com os locais e fazia amizades com a mesma naturalidade com senadores, anônimos e desocupados pelas ilhas havaianas todas.

Mesmo por aqui, quando o bairrismo surfístico beirava o inegociável e cariocas e paulistas se estranhavam nas praias, estradas e no mercado do esporte, Rico sempre cumpria seu papel de aliviar, conciliar e conectar os desafetos. 

O filme, produzido por Marcos Araújo (Sentimental Filmes) e dirigido por Guga Sander, é uma deliciosa e suave onda para quem conhece ou quer conhecer a história do surfe e da cultura de praia brasileira, costurada pela trajetória de uma de suas mais folclóricas, simpáticas e competentes personagens. 

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