Sábato Magaldi escrevia à mão. Entre os anos 1966 e 1988, período abarcado pelo livro que a Edições Sesc deve lançar nos próximos dias, o professor, maior crítico teatral brasileiro vivo, ia quase todos os dias ao teatro – que começava as apresentações na terça-feira – armado com seu bloco de notas e uma caneta Bic. Suas anotações somam hoje 48 cadernos, com cerca de 400 páginas cada um. Só depois digitava em sua máquina de escrever Erica e entregava aos inúmeros editores que o publicaram na grande imprensa brasileira. A máquina ainda está lá inteira, no apartamento do bairro de Higienópolis, em São Paulo, onde a dramaturga Edla Van Steen, sua mulher, contou à ISTOÉ como foi organizar “Amor ao Teatro: Sábato Magaldi”, uma bíblia de 1.192 páginas com as montagens brasileiras criticadas pelo autor e publicadas no “Jornal da Tarde” entre 1966 e 1988.

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DE PERTO
O crítico frequentava o teatro de terça a domingo, acompanhava
ensaios-gerais e palpitava nos textos antes da estreia

A primeira dificuldade da escritora poderia ter encerrado o projeto. O jornal paulista, que fechou as portas em 2012, não tem o arquivo digitalizado e não é permitido fazer cópias das edições. “Durante meses o ator Wesley Leal esteve no arquivo do “Estado de S. Paulo” (onde funcionava o “JT”). Olhou quase tudo que se publicou sobre teatro no período e fotografou, uma a uma, as críticas que agora estão no livro.” A partir das fotografias, a organizadora redigitou os comentários que recontam a parte mais importante do teatro brasileiro daquele período, como o fim da censura, em 1967 , a “Navalha na Carne”, de Plínio Marcos, um dos dramaturgos que Magaldi apresentou ao mundo. “Sempre disse ao Sábato que ele descobriu Nelson Rodrigues”, diz Edla. A verdade é que o crítico foi o primeiro a reconhecer o tamanho do autor de “Vestido de Noiva”. Seu livro “Nelson Rodrigues: Dramaturgia e Encenações” é a maior referência no mundo sobre o dramaturgo pernambucano que revolucionou o teatro brasileiro. A organizadora conta que, para conhecer um autor de teatro, o marido ia além da estreia e da leitura de textos – que é o máximo que um crítico de imprensa diária hoje consegue e faz. “Ele muitas vezes participava da confecção do textos, ia a ensaios, palpitava e até se tornava amigo dos dramaturgos.” O que nunca impediu, segundo ela, de escrever críticas duras a esses espetáculos dos quais chegava a participar da criação.

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Edla diz que a metodologia foi fundamental para chegar no volume, que – o tamanho e peso não dizem – é um resumo bem específico da produção do crítico. Ficaram de fora os infantis, os balés e as montagens internacionais.

O livro reúne textos sobre espetáculos escritos e montados por brasileiros. “Nunca imaginei que ele tivesse escrito tanto: 650 artigos longos, às vezes de página inteira no Suplemento do “Estadão”, além de umas duas mil críticas publicadas no “JT”, escreve a organizadora no prefácio do livro.

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Magaldi revelou talentos importantes e desfez injustiças, como quando saiu em defesa da criatividade de Dercy Gonçalves ou do alcance do pensamento de Plínio Marcos. Mas não escondia o desgosto com montagens ruins e esses momentos renderam as peças de mais fina ironia que dão saudades do tempo em que a imprensa diária brasileira se propunha a publicar reflexões sobre arte e cultura. “Era difícil ele cair de quatro. Mas às vezes caía”, diz a companheira de 35 anos. Um desses raros momentos foi (literalmente) protagonizado por Marília Pêra, que Magaldi descreveu na apreciação sobre “Apareceu a Margarida”, de Roberto Atrayde, levado para os palcos em 1973, como a maior atriz brasileira

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Fotos: Ag. Istoé; Eduardo Simões