Num ambiente inflamável como o atual, erros de cálculo político costumam ser imperdoáveis. Ainda mais quando são cometidos em sequência. Por isso, a decisão equivocada da presidente Dilma Rousseff em lançar um candidato do PT para confrontar outro da base governista, somada à completa desarticulação política do governo e à falta de sintonia de uma bancada aliada cada vez mais fisiológica, e ao mesmo tempo imprevisível, dificilmente poderia atravessar o tapete verde da Câmara impunemente. O resultado foi a vitória acachapante de Eduardo Cunha na eleição à presidência da Casa. Sem necessidade de segundo turno, com 267 votos, o deputado do PMDB superou o candidato Arlindo Chinaglia, do PT, por uma diferença de 136 votos – margem considerada inimaginável pelos petistas mais otimistas. O PT não conseguiu sequer eleger algum integrante do partido para a Mesa Diretora da Câmara, considerado o alto clero do Legislativo. “O pior é que informaram para a bancada que Arlindo poderia ganhar no primeiro turno. É muita incompetência”, estrilou Cândido Vaccarezza, do próprio PT paulista.

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O ELEITO
O deputado do PMDB Eduardo Cunha (que figurou na capa
da edição 2312 de ISTOÉ) superou o candidato Arlindo
Chinaglia, do PT, e obteve o controle da Câmara

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O placar final na Câmara, por si só, já indicaria a dificuldade que o Planalto terá para aglutinar sua base de apoio. Afinal, não pesou favoravelmente ao candidato do PT nem mesmo o fato de os partidos governistas constituídos na Casa estarem contemplados no novo Ministério de Dilma. Mas, ao que tudo indica, a vida do governo ficou ainda mais difícil. Após a reunião de líderes realizada na terça-feira 3, Eduardo Cunha deu a exata dimensão de suas pretensões, agora que foi guindado ao comando da Câmara. “Eu só converso com a presidente Dilma. Não adianta mandar ministro falar comigo”, afirmou, ao ser informado sobre uma ligação do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

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Como ISTOÉ lembrou em sua edição 2312, de março do ano passado, Cunha é uma figura política que lembra o personagem Francis J. Underwood, o protagonista da série “House of Cards” interpretado pelo ator Kevin Spacey. Underwood é um ambicioso senador que se sentiu escanteado pelo presidente americano e, em retaliação, criou um plano de vingança baseado em um jogo bruto de acúmulo de poder que o guindou à Presidência da República. Nessa nova temporada, Cunha não chegou lá como Underwood, mas ocupa hoje o segundo cargo na linha sucessória de Dilma Rousseff. Não é pouco. A cadeira de presidente da Câmara permite ao seu ocupante a rara possibilidade de influenciar nos rumos políticos do Congresso, além da prerrogativa de administrar um orçamento de R$ 5,2 bilhões. Mas os planos de Eduardo Cunha ultrapassam as fronteiras do próprio cargo: ele acalenta o desejo de se tornar o principal interlocutor do governo no PMDB e, quem sabe até, no Parlamento, tarefa que já coube a outras cabeças coroadas do seu partido. Para conseguir essa condição especialíssima, Eduardo Cunha já demonstrou que não medirá esforços.

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Na quinta-feira 5, o peemedebista autorizou a instalação de uma nova CPI da Petrobras, pleiteada pela oposição para apurar as irregularidades e os desvios de recursos que envolvem a estatal. Além disso, aprovou às pressas o projeto de orçamento impositivo, que tira do governo a possibilidade de bloquear parte dos recursos das emendas parlamentares. A proposta é um sonho antigo dos deputados, que dependem do Executivo para mandar recursos para obras em seus redutos eleitorais. Com a aprovação do projeto, o governo perderá ainda mais poder de barganha com o Parlamento. “Ele lança mão da estratégia que consiste em criar dificuldades para vender facilidades. Dessa forma, acredita que o governo se curvará aos seus anseios”, afirmou um aliado de Cunha.

Nos próximos dias, a Câmara deve votar ainda uma proposta de reforma política nos moldes não pretendidos pelo Planalto, garantindo o financiamento privado nas campanhas eleitorais. O fim dessa modalidade de captação de recursos foi uma das promessas de campanha de Dilma, mas o peemedebista é contra. Não por acaso. Esse jogo do financiamento privado foi justamente o que o ajudou a acumular poder.

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Cunha vem colocando seus planos em prática com a convicção de quem conta com um apoio multipartidário. Há anos, o peemedebista desfruta da fidelidade da bancada do Rio de Janeiro. Um consenso em torno de si conquistado graças ao seu poder de dar a palavra final sobre a distribuição de dinheiro dos financiadores durante as campanhas eleitorais. Seu tamanho no Parlamento vem sendo definido ainda por critérios ideológicos. Cunha mantém influência direta na bancada evangélica, que cresceu 14% este ano e elegeu 80 deputados federais. Esse segmento enxerga o novo presidente como um aliado para a pauta conservadora que defende.

Eduardo Cunha ainda tem a favor do seu jogo político um raro conhecimento do Regimento Interno da Casa, que permite manobrar votações e injetar temas em medidas provisórias de acordo com suas estratégias. Por conta disso, nos últimos anos, o peemedebista começou a atrair parlamentares de outras bancadas e partidos interessados em incluir temas diversos nos textos de medidas provisórias. Com as assessorias que prestava, aumentou seu prestígio com deputados do baixo clero. Além disso, em campanha pela presidência, prometeu pequenos favores e fez o discurso em defesa das regalias, como aumento do tamanho dos gabinetes e das cotas de passagens. Ganhou, assim, o apoio de parlamentares novatos dispostos a usufruir das benesses do cargo.  

Montagem sobre foto


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