Era uma vez um partido formado por profissionais especializados em ocupar espaços no poder. Seus líderes chegaram a dar as cartas no longo reinado de Fernando Henrique Cardoso e sonhavam em eleger o próximo presidente. Herdeiro do PDS, que já se proclamou “o maior partido do Ocidente”, o PFL colocou todas as fichas na capacidade do seu principal cacique, o senador Antônio Carlos Magalhães (BA), de sempre vencer os embates com blefes e bravatas. Empolgado com as sucessivas vitórias nos anos FHC, ACM resolveu apostar alto: escolher os presidentes da Câmara e do Senado e adquirir força suficiente para ser o padrinho da chapa governista na sucessão de Fernando Henrique. Como os parceiros do PMDB e do PSDB desta vez pagaram para ver, finalmente o PFL teve que mostrar suas cartas – não tinha jogo para bancar suas pretensões. Em vez de levar tudo no grito, sai da mesa com um prejuízo monumental. Vai ficar fora do comando do Senado e da Câmara e sem cacife para a partida de 2002. O estrago é tão grande que a própria sobrevivência do PFL como grande partido está ameaçada – não pode ir para a oposição porque se esfacela, mas vai ficar enfraquecido na aliança governista e passará a depender ainda mais da ajuda do Palácio do Planalto para não definhar.

“Serei seis vezes mais forte lutando contra as opressões deste governo. Sou oposição”
Deputado Inocêncio Oliveira, líder do PFL

Nesse dilema, o PFL entrou em parafuso. No início da noite da quarta-feira 31, o plenário lotado da Câmara assistiu a um espetáculo inusitado. Na tribuna, o líder pefelista Inocêncio Oliveira (PE) vestiu um figurino radical e se apresentou como um oposicionista de carteirinha: “Passei seis anos defendendo este governo. Serei seis vezes mais forte lutando contra as opressões deste governo.” Não colou. Além de não ter conquistado os votos das esquerdas para sua candidatura à presidência da Câmara, irritou o presidente Fernando Henrique Cardoso por ter ajudado as oposições a rejeitarem a Medida Provisória que mudava a data de pagamento do funcionalismo público, o que representa um prejuízo de R$ 4 bilhões aos cofres do governo. Foi o suficiente para que, menos de 24 horas depois, os caciques do PFL jurassem fidelidade a FHC. “Não dá para virarmos oposição porque teríamos de entregar os cargos e isso acabaria com o partido”, admitiu o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), ao recusar uma proposta das esquerdas para apoiar a presidente do Senado o candidato Jefferson Perez (PDT-AM) em troca de votos na Câmara para Inocêncio. “O discurso de Inocêncio não traduz o pensamento de todo o PFL”, reconheceu o próprio ACM, depois de ter insuflado o correligionário a bater de frente com o Palácio do Planalto.

Ao mesmo tempo que Inocêncio fingia ser oposição, os comandos do PMDB e PSDB negociavam novos apoios para a dobradinha Jader Barbalho no Senado e o tucano Aécio Neves na Câmara. Na mesma noite de quarta-feira, costuraram a desistência do deputado Severino Cavalcanti (PPB-PE) do páreo pela presidência e a transferência de seus votos do partido para Aécio. “Esse apoio saiu muito caro. Vários ministros jogaram pesado. O ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, por exemplo, usou e abusou do nome do presidente Fernando Henrique e abriu os cofres do Fundo de Amparo ao Trabalhador para conseguir votos”, acusou Inocêncio, abalado com a avalanche de adesões a Aécio.