Poucas vezes se viu uma novela tão repleta de temas médicos como Laços de família, exibida até a semana passada pela Rede Globo. A mocinha Camila (Carolina Dieckmann) teve leucemia (câncer nas células sanguíneas). A empregada Ritinha (Juliana Paes) morreu vítima de eclâmpsia (aumento de pressão na gravidez que pode levar a convulsões e à morte) e até um cavalo teve de fazer um eletrocardiograma. O problema é que nem sempre as doenças mencionadas na telinha tiveram o tratamento correto. Desfechos praticamente impossíveis na vida real aconteceram na trama, o que levantou falsas expectativas em telespectadores com o mesmo problema dos personagens. Muitos médicos se viram atolados de perguntas ou diante de pacientes cheios de medos ou esperanças.

De acordo com especialistas, uma das principais incongruências da novela foi a gravidez de Helena (Vera Fischer). Como foi possível uma mulher de mais de 40 anos engravidar depois de apenas uma relação com um ex-parceiro? Na vida real, as chances de uma gravidez ocorrer naturalmente nessas condições são de 5%. A partir dessa idade há um progressivo prejuízo na produção e qualidade de óvulos, dificultando a concepção. E para piorar, a heroína só resolveu ter outro filho para que ele pudesse salvar a vida de sua filha Camila. A idéia era a de que o bebê servisse como doador de medula, uma das formas de tratamento da leucemia. “Imagine se toda mãe de um filho com a doença tem outro bebê para tentar salvar o primeiro? Acontecerá um boom de crianças rejeitadas porque não foram compatíveis. A chance de haver compatibilidade entre os irmãos é de apenas 25%. Fora isso, ainda há o risco de nascimento de bebês com deformidades causadas pela gestação tardia”, critica Eduardo Motta, especialista em tratamento contra infertilidade. “É irresponsabilidade incentivar esse tipo de coisa”, afirma.

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É difícil que mulheres bem assistidas no pré-natal morram de eclâmpsia, como Ritinha

Outro problema levantado pelos médicos foi a morte de Ritinha por causa da eclâmpsia. De fato, trata-se de uma doença grave, que pode ser fatal. Mas os casos em que isso ocorre geralmente são resultado de má assistência no pré-natal. Controlada por bom especialista, medicamentos e alimentação adequada, ela deixa de ser tão ameaçadora. E a personagem contou com tudo isso: médico de primeira, refeições balanceadas e remédios. Por outro lado, a possibilidade de uma mulher como Camila engravidar logo depois de um tratamento contra o câncer é muito baixa (essa foi uma das versões do final da novela que circularam na semana passada). As drogas quimioterápicas podem levar à esterilidade definitiva ou passageira. “Mesmo se a mulher não ficar estéril, é recomendado aguardar pelo menos um ano antes de engravidar. Os remédios são muito fortes e por isso é ideal que não haja mais resquícios no corpo”, explica o oncologista Vicente Odone Filho, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo.

Tantas gestações, aliás, demonstraram pouca preocupação com prevenção. “Ninguém fala em camisinha, não pega nenhuma doença nem se dá mal. Isso influencia principalmente as crianças e adolescentes”, entende a pediatra Lígia Reato. De fato, a influência das novelas no cotidiano é inegável. “Por isso, deve haver muita responsabilidade na hora de retratar assuntos sérios como os relacionados à saúde. Quanto mais próxima da realidade a novela é, mais cuidado deve ser tomado”, afirma Maria Lourdes Motter, pesquisadora da Universidade de São Paulo e especializada em telenovela.