A roda da história girou. As 20 mil pessoas que estiveram em Porto Alegre de 25 a 30 de janeiro para participar do primeiro Fórum Social Mundial saíram com a impressão de que daqui para a frente o mundo não será mais o mesmo. Os protestos de Seattle, durante reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em novembro de 1999, sinalizaram o início da batalha contra a globalização neoliberal. Conseguiram interromper as negociações que seriam ali estabelecidas. Outras manifestações aconteceram em seguida. O Fórum de Porto Alegre rompeu a barreira dos protestos de rua. Pela primeira vez desde a queda do Muro de Berlim, quando o fim da história foi decretado, as vozes descontentes com as políticas de livre mercado deram um passo adiante e começaram a elaborar alternativas. “Não há soluções para três meses, três anos, dez anos. Talvez leve um século, mas é necessário iniciar um movimento de solidariedade”, diagnosticou o economista egípcio Samir Amin.

A 11 mil quilômetros de Porto Alegre, na cidade suíça de Davos, onde ocorria simultaneamente o Fórum Econômico Mundial, empresários, banqueiros, representantes das principais instituições multilaterais e governantes desciam do pedestal. O marco dessa mudança foi o embate, via satélite, ao vivo, ocorrido no domingo 28, entre os representantes do Fórum de Davos e do Fórum de Porto Alegre. A primeira imagem do megaespeculador George Soros, direto do estúdio nos Alpes Suíços, foi recebida com vaias e xingamentos pelos milhares de espectadores que lotavam o anfiteatro da PUC gaúcha. Era um sinal do que seria o debate. Soros serviu de saco de pancadas de inflamados debatedores de Porto Alegre.

Claro que Soros não passaria um abaixo-assinado pedindo o fim da dívida externa em Davos, como sugeriu ironicamente Bernard Cassen, diretor-geral do jornal francês Le Monde Diplomatique. Mas foi a primeira vez que o Hemisfério Norte admitiu publicamente que a concentração de renda no mundo está se tornando abusiva. Os países ricos têm hoje uma fatia 74 vezes superior à dos mais pobres. Em 1960, essa relação era de 30 vezes.

O debate ecoou para o mundo. “Eu fiquei surpresa de quão nervosas estavam as pessoas, mas sei exatamente de onde vem essa raiva”, disse a ISTOÉ Njoki Njehu, uma das participantes da teleconferência, que representa a rede de ONGs 50 Years is Enough. “Alguns podem até pensar que somos um bando de radicais. Mas temos do nosso lado um número expressivo de pessoas que nos dão apoio.” Njehu e seus colegas acham que não dá para dialogar com os donos do poder. Do lado de cima, Soros deixou claro que também não pretende repetir a dose. “Meu masoquismo tem limites”, disse.