Por incrível que pareça, o artista plástico paraibano Antonio Dias, 56 anos e 40 de carreira, até hoje só tinha sido homenageado com retrospectivas em Portugal e Alemanha. O descuido, visto por ele como um dos muitos acasos de sua vida, está sendo agora corrigido com a exposição Antonio Dias – o país inventado, que a partir da quinta-feira 8 ocupa o Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, depois de viajar por Salvador e Curitiba. Reunindo 36 trabalhos produzidos entre 1966 e 2000, a mostra sintetiza a trajetória de um dos maiores artistas brasileiros vivos, há mais de três décadas desenvolvendo uma sólida carreira internacional – ele se mudou para a Europa em 1965 e mora na Alemanha desde 1989. Dias não gosta do termo retrospectiva. Prefere a expressão panorâmica, com certa razão. Diante da variedade de seu trabalho, a idéia de evolução que o termo retrospectiva encerra parece cerceador.

Fora das tendências – Com obras em papel artesanal, objetos, instalações e, naturalmente, pinturas, além de alguns filmes em super 8 passados agora para vídeo digital, a exposição revela um artista fora das fórmulas, tendências ou modas fugazes. Até mesmo quando se vê seduzido pela mania das instalações, como é o caso de KasaKosovoKasa, de 1996, feita com dez colunas de PVC de 1,80m de altura, cobertas de fotos digitais da pele humana. “Sempre estudo a melhor forma de passar para o público cada assunto que me interessa. Se faço uma instalação, não posso expressar os mesmos pensamentos que me orientam numa pintura”, diz. “É por isso que vivo mudando de técnicas, muito mais que mudo de estilo.” Para o nativo de Campina Grande, que se sente estrangeiro desde sua ida para o Rio de Janeiro, no início dos anos 60, cabe muito bem o título de artista aventureiro. Um exemplo desta característica de personalidade aconteceu em 1977. Sentindo necessidade de encontrar o material certo para a forma certa, viajou para o Nepal, onde ficou cinco meses aprendendo a fazer papel com as etnias sherpa, tamang e newari.

Círculos – Foi um aluno obediente, mas inquieto. Queria o tempo todo experimentar. Um dia chegava para os nepaleses e pedia para produzir papel em formato circular, fato inédito para eles. No outro, cismava em testar novas cores, texturas e pigmentos. Do aprendizado surgiu a obra Chapati para sete dias, um semicírculo formado por círculos de papel, celulose, barro, cinza e ervas. Certa vez, ao montar no chão anéis azulados de papel, religiosos começaram a gritar em coro niranjanirakhar enquanto erguiam as mãos para o céu. Tempos depois, Dias veio a saber o significado do termo: algo que é azul e é tudo. “Era uma palavra religiosa. Achei superinteressante e guardei o nome.” Toda esta história resultou na obra Niranjanirakhar – confeccionada de papel artesanal feito de folhas de chá –, que está na exposição.

Ousar sempre foi um verbo conjugado por Antonio Dias. Aos 16 anos, quando estudava gravura com Oswaldo Goeldi, insistia em criar formas aleatórias, cavucando com veemência a madeira, matriz da gravura. A determinação desagradava o mestre, pouco afeito à arte abstrata. “Um dia, eu me enchi e joguei as pranchas todas no chão, perto dele”, relembra. Hoje, Dias mantém firme o mesmo traço rebelde. Produz telas usando óxido de ferro, malaquita, cobre e ouro, entre outros materiais poucos ortodoxos. A aparência de seus quadros guarda uma textura misteriosa, quase orgânica. “Não sou uma pessoa apaixonada por cores e pinceladas. Por isso prefiro separar campos através de materiais não pictóricos”, explica. Ele também detesta o quadrado das telas. Geralmente inventa obras em outros formatos. Demônio, por exemplo, é um díptico de 1996 feito de tinta acrílica, folha de ouro e cobre, que reproduz o efeito de uma pele de onça. “Foi o máximo que consegui ao tentar colocar bichos na tela.”

Reflexão – Antonio Dias foge mesmo do exótico. Por esta razão, batizar a “panorâmica” no MAM de O país inventado sintetiza muito bem sua inserção na arte brasileira. O nome vem da instalação produzida em 1976. Trata-se de uma vara de pescar medindo seis metros de comprimento, feita de bronze patinado, em cuja extremidade se encontra presa uma bandeira de cetim vermelho, da qual foi arrancada um pequeno retângulo, que resultou na forma de um “L”. É uma referência aos artistas Mondrian e Malévitch e também sinal recorrente em sua obra. “Meu interesse é a reflexão. Quero que o visitante possa parar diante de um trabalho para estudá-lo e não simplesmente circular pela exposição como se fosse um parque de diversões.”