Alex Soletto

"A sua ligação é muito importante para nós, não desligue.” Do outro lado da linha, vermelho de raiva e com ímpetos de entrar pelo telefone para agredir a voz incorpórea, o consumidor – impotente – bufa e desiste. Sente-se um palhaço, sem picadeiro nem aplausos. Repetida à exaustão e seguida de uma música que a ocasião torna insuportável, a mensagem gravada pode ser considerada uma prova do pouco caso com o consumidor. Afinal, ela parece prever uma longa espera para quem está do outro lado da linha. A cena, comum, indica que as facilidades tecnológicas e o atendimento preferencial apregoados aos quatro ventos pelas empresas fornecedoras de produtos e serviços podem transformar-se num grandíssimo engodo. Também mostra que o respeito ao cliente muitas vezes – ainda – não passa de verniz no brilho dessas relações. Mas o brasileiro – mesmo que lentamente – dá sinais de reação. Cansado do circo e mais alerta, já não engole sapos tão facilmente. Procura se informar e tem ousado contra-atacar, como mostram as queixas registradas nos Procons. No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, as empresas telefônicas, os planos de saúde e as instituições financeiras foram os campeões de reclamação em 2000.

Renato Velasco
Por um erro do banco, Lopes teve 12 cheques devolvidos. Ganhou indenização de R$ 15 mil e planeja viajar com os filhos

A boa notícia é que o governo promete fornecer, até o final do ano, uma arma poderosa contra os abusos: o Sistema Informatizado de Defesa do Consumidor – um banco de dados com toda a legislação sobre o assunto e o Cadastro Nacional de Reclamação Fundamentada. “Será possível saber em detalhes como se comportam as empresas e se há queixas contra elas. Se o comércio tem o Serviço de Proteção ao Crédito, nada mais justo que o consumidor tenha um serviço similar a seu favor”, explica o secretário de Direito Econômico, Paulo de Tarso Ribeiro.

O secretário também foi vítima do “tratamento vip 24 horas” ao tentar resolver um problema com o cartão de crédito. Depois de muitas tentativas frustradas, ele resolveu testar a eficiência do sistema. Fez a ligação à meia-noite e acionou a secretária eletrônica para gravar o tempo que levaria para ser atendido. Levou uma hora e meia. “ Devia haver muito congestionamento de linhas nesse horário”, ironiza. Sua decisão, depois de comprovado o péssimo serviço, foi simples. “Cancelei o cartão”, conta ele.

Banir o produto de sua vida é quase sempre a reação máxima que o brasileiro tem quando se sente decepcionado. Principalmente se o aborrecimento é provocado por serviços gratuitos, como o 0800. Eles raramente geram queixas formais, por mais descabelado que o consumidor fique. O senso comum é de que o atendimento especial é um brinde. Não é verdade. “Quando compramos um produto, estamos pagando também essa benesse, que está embutida nos custos”, explica Antonio Mallet, presidente da Associação de Proteção e Assistência aos Direitos da Cidadania e do Consumidor (Apadic), do Rio de Janeiro. Dificilmente, no entanto, alguém pensa em encarar a Justiça por ter sido mal atendido.

Carlos Magno
O vôo de Dalma, Ana Lúcia e Alice foi cancelado. A companhia aérea não avisou, nem pagou alimentação e estada

Persistência – A reação mais pragmática costuma vir quando o prejuízo é grande e comprovado. É raro encontrar tipos como o assessor parlamentar Antônio Lopes do Espírito Santo, 44 anos, que enfrentou por quatro anos os corredores do Fórum do Rio por um aborrecimento que não lhe causou nenhum dano material. Em julho de 1996, Antônio pediu o desbloqueio de um talão de cheques por telefone. A exigência é feita pelo banco para evitar prejuízos caso os talões se extraviem. Surpreendentemente, a instituição não havia registrado o desbloqueio e 12 cheques assinados por Lopes foram devolvidos. Cioso de seu nome, ele peregrinou por todos os estabelecimentos onde fez pagamento, inclusive em outras cidades, para trocar os cheques. Quando reclamou na agência, recebeu de volta apenas um pedido de desculpas. “Se o consumidor não paga, vai para o SPC. Se a empresa erra, também tem de pagar”, protesta. Auxiliado pela Apadic, ele entrou na Justiça por danos morais. “Muitas vezes, me questionei se conseguiria ganhar uma causa contra um banco, que tem tanto poder no Brasil”, lembra. Mas ganhou. A Justiça concedeu-lhe em dezembro uma indenização de 200 salários mínimos que ele dividiu com a ex-mulher. Com cerca de R$ 15 mil no bolso, Lopes agora planeja uma viagem com os filhos. “Estamos começando a fazer valer nossos direitos”, comemora.

Casos mais graves, como o sumiço de dinheiro da conta, têm sido cada vez mais frequentes. “Os bancos dizem que é impossível mexer na conta sem a senha e o cartão. Não é a pura verdade”, afirma Maria Inês Fornazaro, diretora executiva do Procon de São Paulo. O problema é que fica difícil para o correntista provar que não foi ele o autor do saque. “Pode-se pedir a inversão do ônus da prova. O banco é quem tem de provar que o cliente fez o saque. Não é difícil já que há câmeras filmadoras nas agências e postos 24 horas”, explica Maria Inês. Em julho do ano passado, o aposentado José Luete dos Santos verificou através de seus extratos bancários do Banerj que R$ 600 haviam sido retirados de sua conta em dois sábados consecutivos. A quantia tinha sido sacada em um banco 24 horas de Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, onde ele mora. Ele comunicou ao banco que seu cartão devia estar clonado e o gerente recomendou que ele apenas trocasse de senha. O dinheiro, ele nunca viu de volta. O banco, diz Santos, insinua que ele pode ter esquecido do saque, ou alguém pode ter usado seu cartão. O cliente nega. “Quero ser ressarcido, por isso procurei o Procon e vou à Justiça. Se fosse dar um golpe, não seria por tão pouco”, garante.