Uma pesquisa inédita, Retrato da Leitura no Brasil, promovida pela Câmara Brasileira do Livro e divulgada há um mês, mostrou que o brasileiro adulto ainda lê pouco: a média é de l,2 livro por ano. Foram ouvidas 5.980 pessoas com mais de 14 anos em 46 cidades brasileiras. Com as crianças, o cenário parece estar mudando. As listas dos livros mais vendidos de grandes livrarias de São Paulo das últimas semanas de julho, no entanto, trazem um dado animador. Com pequenas variações a cada semana, dos dez livros de ficção apontados como os mais procurados, cinco são infanto-juvenis e dois são contos de Luis Fernando Verissimo, que agradam à garotada. Um outro é Histórias para pais, filhos e netos, do campeão de vendas Paulo Coelho, que também colocou os olhos neste filão. “O livro foi escrito para as três gerações. O pai vai ver como parte da vida. O filho, como um desafio e o neto, como uma bela história”, diz o escritor. O carro-chefe desse interesse literário precoce – a coleção Harry Potter, que conta os embates de um menino mago – é um fenômeno mundial que vendeu 600 mil exemplares no Brasil, desde seu lançamento em abril do ano passado. Mesmo assim, pode-se comemorar. O interesse das crianças e adolescentes pela leitura vem crescendo. “Ninguém lê um livro como os desta coleção se não tiver lido muito antes. Além disso, os livros hoje são atraentes e bem escritos”, observa Ruth Rocha, autora de mais de 130 títulos infantis.

Outra prova disso é a inauguração de lojas especializadas, como a Livraria Ubaldo, de São Paulo. A loja comemora o aumento de 40% em suas vendas desde maio, quando inaugurou um espaço exclusivo para crianças e adolescentes. Lá, todos os livros estão com as capas viradas de frente, o que facilita a escolha e não deixa que um título atraente passe despercebido. “Nosso trabalho ultrapassa a venda, somos orientadores de leitura. Analisamos a experiência e a idade do cliente para indicarmos o livro”, informa José Antônio Homem de Montes, proprietário da livraria. O sucesso da loja é reflexo do crescimento da indústria de livros infanto-juvenis, explica Elizabeth Serra, secretária-geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), órgão ligado à Unesco. “Em 1990, o País produzia 30 milhões de livros para adultos e 30 milhões para crianças. Em 2000, foram apenas nove milhões para 45 milhões de infanto-juvenis”, relata Elizabeth.

A formação de espaços privilegiados para crianças em grandes livrarias antes mesmo que elas aprendam o bê-á-bá é outro fato a ser considerado. Muito além de uma estratégia para deixar os pais livres para as suas compras, é um exercício para o futuro leitor. Manusear páginas atraentes e coloridas é um estímulo ao prazer da leitura e ao amor aos livros. “Ler é o que eu mais gosto de fazer. Quando quero comprar muitos livros de uma vez só, meus pais negociam comigo”, conta Sérgio Schargel Maia, oito anos, frequentador assíduo do Canto para Crianças da Livraria da Travessa, no Rio de Janeiro. Marcos Vianna da Costa Leite, dez anos, é outro devorador de livros. “Onde vou, carrego um. Gasto minha mesada em coleções e até já comprei uma enciclopédia”, diz o menino.

“Leitor é aquele que lê bem, que tem pais que lêem, que tem livros em casa. Mas leitor é também aquele que nasceu para ler, que mesmo no meio do mato descobre um livro velho para ler”, define Ruth Rocha. Mas o hábito não vem por acaso. Por traz de um leitor infantil há sempre um pai ou uma avó que gostam de contar histórias ou aquela professora que dá um sabor especial às palavras. “Mãe, onde está aquele livro que eu trouxe da escola? Quero devolver para pegar outro”, diz o pequeno João Pedro, cinco anos. Ele não sabe ler, mas todas as noites seus olhos brilham ao ouvir as histórias que a mãe lê para ele antes de dormir. “Eu o estimulo, vou a livrarias e compro livros. Mas ele agora traz da escola e tem pressa para aprender a ler”, conta a mãe, a empresária Cláudia De Meo Schincariol. Ela diz que sentiu falta de estímulo quando era pequena. “Fui descobrir o prazer da leitura depois de adulta”, relata. Com a adoção de livros paradidáticos (obras de apoio curricular), a escola passou a incentivar mais a leitura. A exigência é uma das diretrizes do Ministério da Educação e deve ser implementada também em escolas públicas.

Há de se duvidar, no entanto, desse interesse infanto-juvenil pelo livros, já que é grande o apelo dos jogos eletrônicos, da internet e da televisão. O fato é que, assim como a tevê não acabou com o cinema, o livro sempre manterá seu fascínio. “Se uma criança estiver jogando videogame e for convidada para ouvir uma história, ela topa. Nenhuma tecnologia supera o afeto”, aposta Elizabeth Serra, da FNLIJ. E para cativar as crianças, não é preciso que o livro tenha figuras coloridas. Sua mágica está em dar asas à imaginação. “Ao ouvir uma história, a criança cria, é co-autora. O mesmo personagem é para um magro e sardento e para outro, moreno e forte”, explica Bettina Bopp. Autora de peças e livros infantis, ela é também contadora de histórias, uma atuação que começa a se firmar (leia quadro).

É uma garota de nove anos, Vitória, quem confirma a tese. “O livro é diferente do filme. Não tem muitos detalhes, então você imagina o que quiser. Gosto de livros que tenham coisas a descobrir, como quem roubou algo. Pego idéias para as minhas próprias histórias”, diz a menina. Com o apoio dos pais, Vitória tem até conta na livraria próxima da escola. “Eu passo lá toda semana para ver as novidades, compro, e depois meu pai paga”, diz ela.

A disponibilização do livro para a criança é a coisa mais básica e eficiente para a formação de um bom leitor. E um bom nível de escolaridade também. Lê mais quem entende melhor os textos. Segundo o estudo feito pela Câmara Brasileira do Livro, entretanto, o mercado leitor não se concentra na classe A nem no grupo de nível universitário. Os maiores compradores de livros (cerca de 17,2 milhões de pessoas) estão nas classes B e C. Desses, 6,5 milhões (38%) cursaram ou estão cursando o ensino médio. A população adulta alfabetizada é estimada em 85,8 milhões, mas somente 26 milhões leram um livro nos últimos meses. Ou seja: dois terços destes leitores em potencial estão distantes dos livros. Não à toa, o estudo conclui que a maior arma para democratizar a leitura ainda é a multiplicação de bibliotecas públicas. Além, é claro, da melhoria do nível de escolaridade da população.

Colaboraram: Camilo Vannuchi e Eliane Lobato, do Rio

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Ousadamente, pode-se chamar de uma nova e divertida versão de sarau literário. Claro que não com este pomposo nome. São apenas encontros de “contação” de história (o termo, que não existe no dicionário, foi adotado pelos donos de livrarias em seus programas de atividades). As crianças adoram e não demorará muito para a atuação do contador de histórias se firmar como profissão. A professora Bettina Bopp é uma das que acrescentaram ao currículo a função. Ela diz que aprendeu a arte com a avó e o segredo está em valorizar a imaginação. Para a criança, uma luminária pode ser um dragão cuspidor de fogo. Segundo os especialistas, no entanto, a arte não depende só de talento. “Tem que entrar no mundo mágico da criança, mas com as técnicas certas qualquer um pode se tornar um bom contador de histórias”, explica Regina Machado, professora de artes plásticas da Universidade de São Paulo. “Há um movimento de resgate dessa forma de comunicação, que é muito antiga”, diz. O projeto Boca do Céu, realizado em maio em São Paulo, sob sua coordenação, é um exemplo disso. Reuniu contadores de histórias do Canadá, da Inglaterra, da Espanha e da Argentina e de várias regiões do País.