Alvo de ataques da ex-ministra da Cultura, o sociólogo baiano reassume a pasta decidido a aumentar o seu orçamento, que considera esquálido, reformar as leis de direitos autorais e investir em arte popular e na geração digital

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RETOMADA
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, volta ao
cargo que ocupou no segundo mandato de Lula 

 

Juca Ferreira (PT), 65 anos, comandou o Ministério da Cultura por dois anos e meio, de 2008 a 2010, no segundo mandato de Lula. Cinco anos antes, atuou como secretário-executivo, no MinC, na gestão de Gilberto Gil. Convidado no fim do ano passado pela presidente Dilma Rousseff para retomar a função, cruzou a mira de Marta Suplicy. A senadora apresentou documentos à Controladoria-Geral da União que apontam irregularidades na Cinemateca Brasileira, órgão do MinC, na primeira gestão de Ferreira como ministro.“O processo nos acusa, por exemplo, de comprar a obra de Glauber Rocha sem licitação. Ela deveria saber que não existem dois ‘Glaubers’ para se fazer comparação de preço”, diz o sociólogo baiano. Para voltar ao ministério, Juca Ferreira deixou a Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, agora ocupada pelo arquiteto Nabil Bonduke, também do Partido dos Trabalhadores.

 

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"Sinto-me agredido. Ela (a senadora Marta Suplicy) tem todo o direito
de desistir do partido no qual ela milita e sair para o debate,
mas em sua desistência não pode bulir com a honra alheia"

 

Conhecido por suas críticas às leis de incentivo fiscal no fomento à cultura e pela defesa da flexibilização da regulação de direitos autorais, Ferreira pretende ampliar a atuação do ministério nos municípios e incrementar o apoio às manifestações populares e socioeducativas em detrimento do cinema, que considera uma área provida de investimentos “robustos”. À ISTOÉ, ele afirma que, apesar dos ajustes orçamentários, conta com a ampliação da participação do Ministério da Cultura no orçamento da União para 2%. Em 2014, a parte do bolo foi de R$ 3,28 bilhões, o correspondente a 0,13%. Há duas semanas no cargo, tem em andamento o projeto que celebrará nos próximos sete anos o centenário da Semana de Arte Moderna de São Paulo e um novo nome no comando da Funarte, o filósofo Francisco Bosco, filho de João Bosco.

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"Vou solicitar ao Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires)
a tela Abaporu, de Tarsila do Amaral, durante a programação
nacional em torno da Semana de Arte Moderna de 22"

Fotos: Pedro França/MinC; André Borges/Folhapress 

ISTOÉ

Nos documentos que a senadora Marta Suplicy enviou à Controladoria-Geral da União, apontam-se irregularidades em licitações da Cinemateca Brasileira durante a sua primeira passagem à frente do MinC. Qual é a sua defesa?

 
Juca Ferreira

Não se ataca a honra de uma pessoa íntegra que tem 47 anos de vida pública sem um deslize sequer. Sinto-me agredido. Ela tem todo o direito de desistir do partido no qual ela milita e sair para o debate, mas em sua desistência não pode bulir com a honra alheia. 

ISTOÉ

Mas em relação às acusações em si, o que o sr. diz?

Juca Ferreira

O processo enviado À CGU nos acusa por exemplo de comprar a obra de Glauber Rocha sem licitação. Queria conhecer uma cinemateca no mundo que se furtasse a adquirir, para preservar e disponibilizar para o público, os filmes de seu maior cineasta. Gastamos R$ 3 milhões neste tesouro. É muito menos do que custa produzir muitas dessas comédias que estamos fazendo hoje no Brasil. Não existem outros Glaubers Rochas para que pudéssemos fazer essa licitação a que a senadora se refere. Proponho um exercício: experimentemos, só para que possamos ter dados de comparação, a venda da obra de Glauber para outras cinematecas do mundo para saber quanto pagariam. A CGU ainda está em processo de investigação e em breve ficará claro que não houve nem há nenhum dolo na gestão da Cinemateca. Coloco minha mão no fogo por todas as pessoas da equipe envolvidas nas acusações.

 
ISTOÉ

O sr. contesta mais algum ponto do documento enviado pela senadora à CGU?

Juca Ferreira

O “Canal 100”, um marco do filme reportagem, que tem uma linguagem de cobertura do futebol de importância histórica reconhecida, é também questionado ali pela falta de licitação na sua aquisição pela Cinemateca. Que uma pessoa ligada a um órgão de proteção do Estado questione uma aquisição do tipo é kafkiano, mas compreende-se. Agora, que uma ministra da Cultura respalde isso para atacar outra pessoa, eu acho um escândalo. O resto a CGU vai mostrar que são ajustes de procedimento. Não se contribui para elevar o nível da política pública brasileira com acusações infundadas. Marta Suplicy é uma irresponsável.

 
ISTOÉ

Como o sr. pretente aprovar a PEC da Cultura, que elevaria para 2% a participação do MinC no Orçamento da União, em um momento em que o governo fala em enxugamentos?

 
Juca Ferreira

A nossa proposta é uma redistribuição das verbas públicas. Ministérios mais frágeis e que têm um orçamento muito aquém da necessidade não podem sofrer o mesmo índice de corte de outros que são bem dotados de orçamentos e até têm gorduras que podem perder. O Ministério da Cultura, sob o ponto de vista orçamentário, é esquálido. A presidente sabe disso. Precisamos de condições para atender a toda a demanda.

ISTOÉ

O sr. acredita então que o MinC será poupado nos cortes?

Juca Ferreira

Acredito e vou lutar por isso. Pouco mais de 0,1% do Orçamento é muito pouco para a Cultura. A PEC prevê 2% e vamos chegar a esse patamar. Acho que podemos pensar em um aumento progressivo em quatro ou até mais anos. Essa proporcionalidade que herdamos era fruto de outro conceito de governo. Um governo inovador tem de abolir as antigas proporcionalidades. No governo Lula fizemos uma reforma que agora precisa ser revista.

 
ISTOÉ

Na véspera da sua posse, corriam boatos de que o sr. estaria contratando integrantes do coletivo Fora do Eixo (rede independente de artistas e produtores que tem como principal plataforma as redes sociais) para sua equipe. Sua equipe está definida?

Juca Ferreira

Pretendo anunciar minha equipe assim que terminar o Carnaval. Tendo dito isso, não tenho preconceito de trabalhar com redes e coletivos. Vivemos o fim de um ciclo da nossa democracia e essa juventude representa e é parte dessa renovação.

 
ISTOÉ

Algum convite que já tenha sido aceito?

Juca Ferreira

Sim, para a presidência da Funarte. A Fundação Nacional de Artes será um dos focos mais fortes desta gestão. Sua presidência estará a cargo de um jovem intelectual chamado Francisco Bosco (filósofo e escritor, filho de João Bosco).

 
ISTOÉ

O que mudará na Funarte?

Juca Ferreira

Vou me concentrar nas políticas para as artes em geral. E de maneira descentralizadora, para que uma região não concentre as atividades culturais e outra míngue. A Funarte pode ajudar nesse caminho. Pecisamos ter um órgão à altura da arte brasileira. O único setor da cultura que está hoje com as necessidades satisfeitas é o cinema. Políticas públicas para as linguagens artísticas não podem se resumir a fomento via repasse de verba pública. A cultura não pode ficar unicamente à mercê dos departamentos de marketing das empresas patrocinadoras em troca de descontos fiscais. 

ISTOÉ

Então o cinema não é uma prioridade do ministério?

Juca Ferreira

Não há necessidade. O cinema brasileiro hoje caminha bem. O MinC vai se envolver mais com a criação artística e as áreas do pensamento e da produção intelectual no Brasil. Em parceria com as universidades, pretendemos abrir processos de reflexão pública, como grandes seminários e programas de formação.

ISTOÉ

Algum projeto em andamento?

Juca Ferreira

Pretendo criar uma comissão nacional junto com São Paulo para a celebração do centenário da Semana de Arte Moderna. Vai ser um grande movimento nacional de resgate e reflexão sobre a construção de identidade. A Prefeitura de São Paulo tem interesse em criar uma comissão com a finalidade de começar os preparativos para esse importante marco em breve. Vou me associar a essa comissão e abrir isso o máximo.

ISTOÉ

 Como isso chegaria à população?

Juca Ferreira

Será tudo um processo aberto, do ponto de vista urbano e também digital. Com o suporte digital envolveremos milhões de pessoas, dentro e fora do Brasil.

ISTOÉ

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado adiou em dezembro a votação de projeto de lei que permite a publicação de biografias não autorizadas no País – a restrição é algo que só ocorre hoje em nações não democráticas. Qual a posição do ministério em relação a essa discussão em que se confrontam artistas como Roberto Carlos e Caetano Veloso e biógrafos?

Juca Ferreira

Sou contra a necessidade de autorização prévia. A legislação já prevê punição para calúnia e difamação. Autorização prévia é algo muito próximo da censura. Acredito que em uma sociedade democrática essa exigência não deveria existir. Essa é minha opinião ­pessoal. Os biógrafos devem ter seus direitos de expressão garantidos como os autores de literatura. 

ISTOÉ

Em seu discurso de posse o sr. disse que implementará a lei que prevê a supervisão do Estado sobre a gestão coletiva de direitos autorais. Como isso vai ocorrer?

Juca Ferreira

É algo que já está em curso. Desenvolvemos um processo de quase seis anos, envolvendo diretamente mais de 60 mil pessoas, entre técnicos e especialistas, inclusive estrangeiros, e todos os setores interessados – o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), organizações de artistas, de fomentadores e de empresários da cultura. Foi uma discussão que visou valorizar a Cultura. Metade do que deixamos tramitando no Congresso já foi aprovada, a partir da CPI do Senado que investigou a questão da arrecadação e distribuição dos recursos. A outra metade é tão somente ligada à atualização ­tecnológica. Os avanços digitais enfraqueceram a indústria fonográfica. O trabalho agora é garantir que o direito autoral possa ser efetivo dentro do ambiente digital. A lei brasileira é de antes do videoteipe. Então, muitos criadores que têm as novas mídias como suporte têm sua criação desprotegida. Todos os autores no Brasil precisam ter sua remuneração por direito autoral garantida. Isso será feito.