Marcos Chaves – Paisagens não vistas/Museu de Arte do Rio (MAR), RJ/ até 31/5

abre.jpg
PROBLEMA PICTÓRICO
Pão de Açúcar obstruído é tema frequente da obra de Marcos Chaves

Em 1998, Marcos Chaves se apropriou do cartão-postal mais popular do Rio de Janeiro, a clássica vista do Pão de Açúcar e da enseada de Botafogo, e aplicou sobre ela a frase “Eu só vendo a vista”. Independentemente dos vários sentidos possíveis e agregados à frase inscrita na paisagem, com esse gesto o artista carioca evocava também a atitude que levou o francês Marcel Duchamp a, quase 100 anos atrás, pintar um bigode em uma reprodução da Mona Lisa. Tão pop quanto a obra-prima de Da Vinci, o Pão de Açúcar permeia e pontua toda a trajetória de Marcos Chaves. 

A versão em vídeo de “Eu só vendo a vista” funciona como um emblema da mostra “Marcos Chaves – Paisagens Não Vistas”, em cartaz no Museu de Arte do Rio (MAR) até 31 de maio. Posicionada na entrada da exposição, ela expõe a ironia e a perspicácia de uma obra tecida a partir da desconstrução de clichês. “Marcos Chaves mostra o lado B da paisagem”, diz a curadora Ligia Canongia. “Ele traz uma paisagem ferida pelos acidentes e permeada por um nonsense que está ao nosso lado todos os dias.”

A exposição mostra um resumo da obra de Chaves, dos anos 1990 até hoje, por meio de seu olhar sobre a paisagem cotidiana carioca. Entre os trabalhos, há três séries já conhecidas do público que acompanha sua trajetória, “Buracos”, “Próteses” e “Sugar Loafer”. Os “acidentes” descritos por Ligia Canongia são evidentes na série fotográfica em que Chaves documenta a graça e a destreza de estruturas improvisadas pela população para sinalizar buracos abertos no meio da rua. Estão também nas “Próteses”, que atentam para uma cidade fraturada e remendada. Mas os acidentes podem ainda ser percebidos na forma como a vista do Pão de Açúcar, a “pedra fundamental” da cidade, é frequentemente obstruída por objetos, nas fotografias da série “Sugar Loafer”.

“Desde Taunay e Timóteo da Costa, o Pão de Açúcar é um problema pictórico antigo do Rio de Janeiro”, diz Paulo Herkenhoff, diretor artístico do MAR. “Assim como acontece nas pinturas de Guignard, nas paisagens de Marcos Chaves nós estamos sempre vendo através de grades, anteparos”, diz ele. De fato, sob a ótica de Chaves, as pedras monumentais do Rio perdem um pouco de sua grandeza e emprestam protagonismo para a espontaneidade escultórica de pequenos empilhamentos e agrupamentos de objetos das ruas. A qualidade desse olhar é, segundo Herkenhoff, “tomar as coisas mais simples e dar a elas a dimensão de um mundo”.

ARTES-02-IE-2357.jpg
ACIDENTES
Acima, imagem da série "Buracos" mostra improvisos urbanos.
Abaixo, fotografia da série "Próteses" mostra cidade fraturada

ARTES-03-IE-2357.jpg

Fotos: Marcos Chaves (Cortesia); Edouard Fraipont/Casa Triângulo (cortesia)