No começo da tarde da terça-feira 7, o presidente licenciado do Congresso Nacional, senador Jader Barbalho, desembarcou em Brasília com uma remota esperança de que pudesse convencer o PMDB a salvar seu cargo e seu mandato, apesar de estar atolado em indícios de corrupção. No trajeto entre o aeroporto e sua mansão no Lago Sul, ele ouviu pelo rádio do carro duas notícias que o irritaram profundamente. Soube que os colegas peemedebistas pretendiam pressioná-lo a renunciar num jantar marcado para a noite seguinte na casa do senador Ney Suassuna (PMDB-PB). Mas o que o tirou do sério foi quando ouviu uma entrevista na qual o senador Pedro Simon (PMDB-RS) admitiu a possibilidade de Jader acabar na cadeia. Tão logo chegou em casa, telefonou para o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), e o convocou para uma reunião urgente. “Quero começar a conversa tomando uma medida preventiva: você que tem sido amigo e leal, não discuta renúncia comigo”, avisou, antes de um desabafo que teve Pedro Simon como alvo principal. Horas depois, numa reunião com Renan, o ex-presidente da Câmara Michel Temer e o líder do PMDB na Câmara, deputado Geddel Vieira Lima, Jader admitiu que chegou ao fim da linha. “Não tenho mais nada a perder. Perdi a presidência do Senado, vou perder o mandato e minha família foi destruída. Mas não vou cair como o ACM, enfrentarei o constrangimento no Conselho de Ética para mostrar a hipocrisia de muita gente”, ameaçou.

A exemplo dos ex-senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, Jader também vai renunciar antes que o Senado casse o seu mandato. A diferença é que pretende ir ao Conselho de Ética para fazer uma defesa mais política do que jurídica. “Ele sabe que está politicamente morto e planeja um grand finale de despedida”, conta um dirigente do PMDB. A líderes do partido, Jader informou que está juntando munição para disparar contra uma extensa lista de desafetos – os senadores Edison Lobão (PFL-MA), Maguito Vilela (PMDB-GO), Jefferson Peres (PDT-AM) e José Eduardo Dutra (PT-SE); o presidente do Banco Central, Armínio Fraga; e o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, entre outros. Na mesma noite em que Jader contava seus planos de vingança, o corregedor do Senado, Romeu Tuma (PFL-SP), recebia de Brindeiro a Nota Técnica nº 019/2001, elaborada pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que conclui ter o presidente do Senado embolsado recursos desviados do Banpará, o Banco do Estado do Pará.

O relatório dos procuradores relata minuciosamente a trajetória de um desfalque equivalente a R$ 5,6 milhões, em valores atualizados, materializado em 21 cheques administrativos emitidos pela diretoria do Banpará durante a primeira gestão de Jader no governo do Estado. Desse dinheiro, pingaram nas contas do senador no Citibank e no Itaú nada menos que R$ 3 milhões. Em segundo lugar, aparece o ex-diretor do banco, Hamilton Guedes, hoje advogado do PMDB paraense, agraciado com quase R$ 1 milhão. O restante foi pulverizado em transferências para laranjas, auxiliares de Jader e o Diário do Pará, jornal da família Barbalho. Mas não foi só isso. Os procuradores acharam uma outra bolada, de R$ 25 milhões em depósitos, que também alimentaram as contas de Jader, sua família e seus auxiliares. O rastreamento da origem desta dinheirama ainda está em andamento, mas sabe-se que parte dela veio de empresas ligadas ao governo do estado. Dos R$ 25 milhões, a nota identifica o destino de R$ 10,9 milhões, distribuídos entre 49 beneficiários. Uma vez mais, na esmagadora maioria dos casos, o dinheiro foi parar nas mãos do senador, suas empresas ou parentes (R$ 2,1 milhões), de auxiliares ou de gente que trabalhou para ele. A convicção de que Jader é o capo dos desvios vem da rotina que o dinheiro obedecia. Os recursos deixavam o Banpará para serem aplicados em um fundo de renda fixa ao portador do Itaú. Com frequência, as remessas excediam ou ficavam aquém dos limites de aplicação fixados pelo banco, gerando resíduos. Quando faltava, Barbalho completava. Quando sobrava, o caraminguá pingava na conta do presidente do Senado. “Quem efetua o pagamento do resíduo ou o recebe do banco não é outra pessoa senão o investidor beneficiário da aplicação”, afirma o Ministério Público na nota técnica.

Provas – Na papelada levantada pelo Banco Central que serviu de base para a análise dos procuradores estão as fitas de caixa, que documentam as somas e subtrações feitas pelos funcionários do Itaú para, a cada remessa, identificar quanto o senador precisava completar para integralizar a aplicação. Ou quanto deveria ser devolvido à conta de Barbalho. Por conta dessas fitas e rotinas, os procuradores concluem que há provas do envolvimento de Jader em pelo menos seis casos. “O trabalho dos procuradores foi muito bem feito” elogiou Tuma. A Nota Técnica embasou também o pedido de inquérito contra o presidente do Senado encaminhado por Brindeiro ao Supremo Tribunal Federal. O documento teve que ser refeito porque o procurador esqueceu de tipificar o crime em que Jader incorreu.

Numa desesperada tentativa de neutralizar o impacto da Nota Técnica, Jader Barbalho enviou um dossiê ao Senado com 60 páginas de extratos bancários de suas contas nas agências do Itaú, no Jardim Botânico, e na Assembléia, do Citibank – ambas no Rio de Janeiro. Foi um tiro no pé. “É a impressão digital que faltava”, avaliou o subprocurador-geral da República Paulo de Tarso Braz Lucas, que coordenou as investigações do Ministério Público Federal. Os extratos confirmam as dezenas de saques e depósitos rastreados pelo Banco Central nas contas de Jader. Mais: os extratos indicam o senador como o beneficiário “não identificado” em outros dois depósitos listados pelo Banco Central. Para piorar, os documentos revelaram que, além da conta bancária, o senador também manteve um cofre particular no Itaú entre 1987 e 1989, o que despertou novas suspeitas de Braz Lucas. “Certamente, o cofre não foi usado para guardar doces”, ironizou.

Outras fraudes – Também nas falcatruas envolvendo Títulos da Dívida Agraria (TDAs) e propinas para a liberação de recursos da Sudam, o senador Jader Barbalho parece ter chegado ao fim da linha. Na semana passada, ele teve os sigilos bancário, telefônico e fiscal quebrados por força da investigação sobre a intermediação na venda de TDAs, reveladas por ISTOÉ na edição 1654, de 13 de junho de 2001. Na sexta-feira 10, os senadores Romeu Tuma (PFL-SP), Jefferson Perez (PDT-AM) e João Alberto (PFL-MA), do Conselho de Ética do Senado, começaram a ouvir em Manaus (AM) as testemunhas sobre a cobrança de propinas para a liberação de projetos da Sudam. O primeiro a ser ouvido foi Nivaldo Marinho. Ex-assessor do deputado Mário Frota (PDT-AM), Marinho gravou um telefonema do deputado para o empresário David Benayon. Na conversa, divulgada por ISTOÉ em sua edição 1660, de 25 de julho passado, Frota diz que Jader exigiu R$ 5 milhões para que um projeto de Benayon no valor de US$ 40 milhões fosse aprovado na Sudam. O deputado nega o diálogo, diz que a voz da gravação não é sua e que Marinho é o autor da fraude. Para tirar as dúvidas, o perito Ricardo Molina foi convocado pela Comissão de Ética e acompanhou todos os depoimentos, apesar dos protestos do deputado, que questionava a credibilidade do perito de Campinas.

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O depoimento de Marinho à Comissão de Ética do Senado durou aproximadamente uma hora e meia. Ele confirmou ter sido o autor da gravação, disse que Frota ajudou Benayon a liberar o dinheiro na Sudam e que em troca teve sua campanha política paga pelo empresário. “O rapaz foi firme, convincente e não caiu em nenhuma contradição”, disse o senador Romeu Tuma após o depoimento de Marinho. O depoimento de Frota pouco ajudou. Ele apenas insistiu em dizer que a fita gravada por Marinho é uma fraude e não detalhou os esquemas de corrupção da Sudam. Disse que apenas “ouvia dizer” que o órgão estava podre e que os empresários precisavam pagar propinas para aprovar seus projetos. Há duas semanas, no entanto, em entrevista concedida a ISTOÉ, o deputado contou em detalhes como funcionava a Sudam. Ele afirmou que “os empresários precisavam pagar pedágios para o baixo e para o alto escalão para que seus projetos fossem aprovados”. Disse também que “tudo ficava centralizado com o então superintendente José Arthur Tourinho, que fazia tudo o que Jader mandava”. Tanto a Polícia Federal como o Conselho de Ética e a Assembléia Legislativa do Amazonas já estão com cópias das fitas registrando a entrevista de Frota. Quando terminou o depoimento, o deputado e Marinho foram levados para a casa de Frota, onde o ex-assessor fez a reconstituição de todos os passos que deu para gravar o telefonema do antigo patrão.

Intermediação – Saber se a voz contida na fita gravada por Marinho é mesmo de Frota é importante, mas, segundo o senador Romeu Tuma, a investigação em Manaus (AM) não se resume a isso. A Comissão de Ética tem conhecimento de que o projeto de Benayon foi aprovado e não saiu do papel. Sabe, também, que Frota fez diversas ingerências visando liberar o dinheiro para o amigo, inclusive com visita aos senadores Tuma e Pedro Piva (PSDB-SP), pedindo a ambos que intercedessem por Benayon. “Essas visitas provam que o deputado estava intermediando o projeto de um empresário e posso até depor sobre isso”, afirmou Tuma. Outro dado a ser investigado está na contrapartida desse empenho. Benayon foi o principal financiador da campanha política de Frota em 1998 e, segundo Marinho, costuma dar bons presentes ao deputado. Na tarde da sexta-feira 10, os senadores do Conselho de Ética e membros de uma comissão formada na Assembléia Legislativa para investigar a conduta do deputado tomaram conhecimento de que, em 11 de fevereiro de 1998, Benayon comprou, junto com Frota, dois motores Volvo Penta no valor de US$ 45,5 mil. Os motores estão em uma lancha de 32 pés pertencente ao deputado. Na época, Frota era o responsável pela Sudam no Amazonas. A revelação foi feita por Valquimar B. Antuny, dono da Amazonáutica, loja que vendeu os motores.

Colaborou Mário Simas Filho


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