Apesar de estranho, não é tão difícil de entender. Diante de situações que desafiam a lógica e nos colocam na cara de fatos que até uma fração de segundo antes de acontecerem pareciam impossíveis, as atenções de todos se voltam para os protagonistas, suas histórias, seus dramas e tudo o que houver em torno. Pouco tempo depois, porém, uma espécie de aceitação coletiva se mistura à necessidade de seguir adiante e o fato que subverteu a ordem das coisas é arquivado numa pasta que será eventualmente reaberta aqui e ali ao longo dos anos. O lamentável acidente que vitimou a atleta Laís Souza exatamente um ano atrás não foge à regra. Depois da comoção nacional, ela
e o País parecem dividir a necessidade de seguir em frente e virar a página da dor. O fato é que hoje, mesmo com certa exposição gerada pela sua volta recente ao Brasil, pouco se sabe exatamente sobre como andam o corpo e, especialmente, a cabeça da menina de 26 anos que depois de três olimpíadas representando o Brasil, quando se preparava para a quarta (agora a de inverno), subitamente se viu imobilizada do pescoço para baixo.

A jornalista e escritora brasileira radicada em Nova York Milly Lacombe aprendeu muito sobre o universo das pessoas com necessidades especiais, e mais especificamente sobre a tetraplegia, depois de dedicar cinco anos de sua vida à edição da biografia da deputada federal Mara Gabrilli. Milly acaba de produzir um perfil emocionante e esclarecedor de Laís que só é possível quando se estabelece uma relação absoluta de confiança entre o autor e o perfilado. Parte do conteúdo inédito, que sairá na íntegra na edição de fevereiro da revista “TPM” (e que inclui o tratamento pioneiro e inédito com células-tronco que pode lhe devolver os movimentos, as conversas sobre sexo, os cuidados com a beleza, a descoberta de um amor depois do acidente), segue abaixo em primeira mão para os leitores da coluna: “E foi como uma espoleta que ela saiu para as montanhas naquela manhã de 28 de janeiro.

O sol estava quente e a neve começava a derreter. O treino era dos mais simples: descer em velocidade e frear bruscamente. Um treino que visava aprimorar a freada depois da aterrissagem. Então ela e a parceira de treinos e competições Josi Santos (“que eu chamo de ‘minha negrinha’”, disse Laís) desciam o mais rápido possível e freavam da forma mais brusca que conseguiam, levantando um leque de neve. O treinador Ryan Snow ia um pouco mais abaixo para observar as freadas. Laís descia primeiro, Josi depois. Laís notou que estavam indo muito rápido e virou para gritar a Josi que viesse mais devagar. Foi a última coisa que lembra de ter dito. Acordou deitada na neve sentindo muita dor e com Ryan sobre ela. “Vai ficar tudo bem”, ele dizia em inglês. “Help me. Help me”, ela repetia. Depois disso, desmaiou e acordou com o barulho do helicóptero chegando. Estava acordada quando a colocaram dentro dele, mas assim que decolou ela vomitou e aspirou o vômito. Correndo sério risco de morrer ali, teve que ser entubada e não lembra de mais nada.” A força que move Laís Souza é algo que enche de esperanças não só quem torce por ela, mas também quem quer enxergar o que há de melhor em cada um de nós.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente

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Aos 26 anos, Laís Souza mostra que, mesmo
sem os movimentos, vive o auge de sua beleza e graça
 

Foto: Marcos Vilas Boas/Revista TPM 

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