Renato Velasco
Das tripas coracão
Azulejo verde em carne viva foi adquirida pela Tate Modern, de Londres, por US$ 40 mil

Quando começou a frequentar os cursos do Parque Lage, em 1984, a artista plástica Adriana Varejão tingiu seus cabelos de um negro à moda dos existencialistas. Pouco depois, voltou loira-punk de uma viagem a Nova York. Agora, com a carreira decolando no Brasil e no Exterior, ela está ruiva. Talvez a cor sirva para marcar o momento feliz de sua trajetória. Aos 36 anos, essa carioca de Ipanema acaba de vender à conceituada galeria Tate Modern, de Londres, a obra Azulejo verde em carne viva por cerca de US$ 40 mil. Para o panorama da arte internacional, tal valor é café pequeno. O preço das telas do inglês Damien Hirst, 35 anos, por exemplo, integrante do grupo Young British Artists, navega entre US$ 800 mil e US$ 1 milhão. De qualquer forma, para alguém que no ano passado vendeu o quadro O primeiro cálice no leilão da Sotheby’s por US$ 33 mil, não há razões para reclamar. “Nada melhor do que ganhar bem fazendo o que se gosta”, admite a artista. Cildo Meireles, 52 anos, outro artista cujas instalações transitam em museus e instituições da Europa e dos Estados Unidos, não poupa elogios a ela. “Adriana tem uma trajetória fulgurante. Além de ser uma pessoa íntegra, faz um trabalho de alta qualidade”, define. O crítico de arte Wilson Coutinho afirma que o maior mérito da artista está no estranhamento. “Ela cria diferenças estéticas através do orgânico.”

Renato Velasco
Das tripas coracão

Barroco – Essas diferenças estéticas, como sua pungente abordagem da carne humana, ainda não são bem digeridas na Alemanha e nos Estados Unidos. Em compensação, os espanhóis e portugueses adoram a forma como Adriana trata o barroco. Os ingleses também se deliciam com o aspecto escatológico. A artista – que está em cartaz com a mostra Azulejões no carioca Centro Cultural Banco do Brasil – não considera sua obra visceral afinada com as novas tendências da arte contemporânea, que na sua opinião privilegia o minimalismo ascético. “Arte não é para enfeitar ambientes. Deve incomodar mesmo e atingir a inteligência da emoção”, acredita. Desde o princípio ela pensava assim. Adriana fez sua primeira individual em 1988. Mas os melhores resultados começaram a ser colhidos depois de 1992, quando voltou da China e começou a dar uma visão mais política ao barroco.

Talvez o melhor exemplo do período seja o quadro Filho bastardo, no qual um padre, dentro do mesmo contexto histórico reproduzido por Debret estupra uma negra e um oficial está prestes a fazer o mesmo com uma índia. A tela leva um corte que deixa transparecer uma carnalidade acentuada pela tinta vermelha, representando simultaneamente uma vulva e uma ferida. “É a minha interpretação da formação do Brasil”, esclarece a autora, cuja tela foi adquirida pelo museu da cidade de Ghent, na Bélgica. Hoje, Adriana é representada por galerias em Nova York, Londres, Madri e Porto. Seu maior orgulho, no entanto, é a galeria Camargo Vilaça, em São Paulo, onde expõe com gente como Ernesto Neto, Beatriz Milhazes e Miguel Rio Branco.

Adriana só lamenta que os artistas de sua geração, embora façam sucesso no Brasil e no Exterior, não tenham onde exibir seus trabalhos. É por isso que não concorda com a instalação do Museu Guggenheim no Rio de Janeiro. “Seria uma colonização cultural, porque teremos de comprar as exposições que eles determinam”, esbraveja. Entre uma crítica e outra, durante o Carnaval Adriana Varejão soltará seu lado popular. Sua assinatura de artista estará nas camisetas do bloco Simpatia é quase amor. Neste caso, sim, arte serve para enfeitar.