Alan Rodrigues
“Hoje o inquérito dá força total à polícia, o que possibilita abusos e até corrupção”
Ada Pellegrini

Sabe aquela cena de julgamento na qual o promotor faz uma pergunta demolidora para a testemunha? No Brasil, só acontece nas telas de cinema. Nos júris brasileiros, o promotor faz a pergunta ao juiz, que a direciona para a testemunha, que responde ao juiz, que repete a resposta para o promotor. Encarregado de registrar a sessão, o escrevente se cansa de registrar que fulano pediu que beltrano perguntasse a sicrano… A burocracia deve-se ao fato de, pela legislação brasileira, toda a comunicação no tribunal ter de ser intermediada pelo juiz. “É circense. O juiz entende a metade do que o promotor falou, a testemunha entende a metade do que o juiz entendeu e o escrevente entende a metade do que o juiz ditou”, ironiza o jurista Luiz Flávio Gomes. Nos próximos dias, o presidente Fernando Henrique Cardoso mandará para o Congresso Nacional um calhamaço que poderá alterar essas regras e tornar a Justiça mais ágil.

A mudança nas regras do tribunal está entre as centenas de alterações previstas pela comissão de juristas encarregada de reformar o Código de Processo Penal (leia quadro), a pedido do Ministério da Justiça. O código é a lei que regula o longo e complexo percurso que vai da investigação criminal até a sentença e seus recursos, incluindo a situação do preso que aguarda julgamento. O atual, em vigor desde 1941, está tão defasado que, em diversos pontos, entra em choque com a Constituição, homologada em 1988. Para atualizar a legislação e, em especial, para agilizar e tornar transparentes o inquérito policial e o processo judicial, a comissão, formada por dez especialistas em Direito Processual Penal, começou a trabalhar em outubro de 1999. Depois de debater com representantes de todas as instituições vinculadas à investigação criminal, os juristas prepararam a documentação em poder de FHC, na forma de sete projetos.

Hélcio Nagamine
Delegado Cesário Silva: “A reforma quer burocratizar a investigação”

Com 87 páginas, a proposta de reforma, no entanto, desagrada a setores da polícia. Se aprovadas, as novas regras implicam, na prática, um controle externo das atividades da corporação. “Hoje o inquérito dá força total à autoridade policial, o que possibilita abusos e até corrupção”, afirma Ada Pellegrini, presidente da comissão de juristas encarregada da reforma do código. “Com essa reforma, a investigação será burocratizada pelo Ministério Público”, reage Jair Cesário da Silva, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia, que já organiza um lobby para atuar no Congresso. O secretário-geral da comissão, Petrônio Calmon Filho, sustenta que o projeto é equilibrado. “Estamos tirando o poder absoluto da polícia, uma herança do Estado Novo, mas não o transferimos totalmente para o Ministério Público”, diz Calmon Filho.