Kraw Penas

Laboratório de Raskin faz diagnóstico de doença genética

A disputa bilionária começou com ares de filme de espionagem. O objeto das investigações é nada mais nada menos que o sequenciamento do código genético humano, o manual de instruções que comanda o intrincado mecanismo bioquímico que nos mantém vivos. De um lado do ringue estão laboratórios farmacêuticos e empresas de biotecnologia americanos. Seus rivais ficam do outro lado do oceano Atlântico, na Europa, onde os centros de pesquisa armaram-se até os dentes com poderosos computadores para travar uma verdadeira guerra contra o tempo e conseguir desvendar primeiro a sequência de genes que compõe a fábrica genética do homem. Na semana passada, chegou ao fim a primeira fase do embate. O tribunal foi transferido para as páginas das revistas científicas Science, dos Estados Unidos, e a britânica Nature, que anteciparam suas edições para publicar em primeira mão o tão esperado mapa da vida.

Primeiro foi a vez do semanário inglês avisar a comunidade científica de que sua edição de quinta-feira 15 traria a íntegra do sequenciamento. Parecia uma vitória dos cientistas europeus. Enquanto isso, nos EUA, a concorrente Science não quis ficar atrás e antecipou sua circulação em cinco dias para publicar antes, na internet, os resultados das pesquisas conduzidas nos laboratórios da empresa privada Celera Genomics, de Craig Venter, médico cujas aspirações monopolistas lhe renderam o apelido de “Bill Gates da genética”.

A publicação de toda a sequência de letras que formam um ser humano (leia quadro) obedece a um acordo de cooperação científica negociado em junho de 2000 entre o ex-presidente Bill Clinton e o primeiro-ministro britânico Tony Blair. Na prática, a ambição de Craig Venter ajudou a acelerar a pesquisa. A princípio, esperava-se que o primeiro rascunho ficasse pronto entre 2003 e 2005. Venter antecipou-se, dizendo que de 2001 a pesquisa não passaria. Estava certo. O mapa da vida humana, que será divulgado esta semana, ficará disponível no endereço de ambas as revistas na internet e será gratuito para a comunidade científica, o que não significa que estará disponível para todos os mortais.

Uma das surpresas da pesquisa foi alardeada entre cientistas brasileiros na semana passada. A quantidade de genes do homem é bem menor do que se imaginava. “Qualquer livro de genética fala em 100 mil a 140 mil genes, quando na verdade temos apenas um terço disso, algo entre 30 mil e 35 mil”, revela o geneticista paranaense Salmo Raskin, um dos integrantes da equipe de brasileiros que participou do Projeto Genoma Humano.

“Só 5% dos genes produzem proteínas vitais ao organismo, mas, ao contrário do que se pensava, os 95% restantes têm função e não são apenas lixo genético”, diz o médico. Dono de um laboratório de genética no Paraná, o médico Raskin é apenas um dos muitos profissionais interessados em faturar com a divulgação do genoma humano. O impacto da descoberta para a medicina não será imediato, mas promete ser retumbante: os dados ajudarão a diagnosticar males congênitos e produzir novos medicamentos. “Haverá algumas aplicações imediatas, como a possibilidade de realizar um teste de sangue para determinar a predisposição de desenvolver uma doença”, diz Raskin, por coincidência dono de um laboratório justamente indicado para detecção de males genéticos. A expectativa dos integrantes do Projeto Genoma Humano, porém, é de que os testes para detectar doenças só terão a acuidade necessária dentro de uma década. Até lá, empresas ao redor do mundo disparam numa nova corrida para registrar a patente, e com isso o controle comercial de trechos do código genético, a matéria-prima para criar remédios cada vez mais eficazes.