A doença da vaca louca – encefalopatia espongiforme bovina – surgiu como um efeito colateral inesperado da desregulamentação da economia britânica. Ao estimular o aproveitamento de gordura e miúdos não usados na alimentação humana como ingrediente de rações para gado, o governo de Margaret Thatcher armou uma bomba-relógio para seus sucessores. Já em 1986, casos começavam a aparecer e em 1989 o governo britânico proibiu o aproveitamento de restos para alimentar animais da mesma espécie, mas, por muito tempo, se recusou a considerar que a doença pudesse ser transmitida de uma espécie para outra.

Em 1990, a doença tomou proporções de epidemia entre o gado e começou a afetar seres humanos. Para provar que não acreditava no risco, o Ministro da Agricultura do Reino Unido, John Gummer, obrigou sua filha a comer hambúrguer na frente das câmaras. Mas, em março de 1996, o governo britânico proibiu o uso de restos de carne de cordeiros e ovelhas, reconhecendo que a doença poderia atravessar a fronteira das espécies. A União Européia proibiu imediatamente a exportação de carne britânica. O indignado governo britânico tentou reverter a proibição e ameaçou retirar-se do Mercado Comum, mas em março de 1997 foi obrigado a reconhecer que 13 pessoas haviam realmente morrido da versão humana da vaca louca (uma variante da doença de Creutzfeldt-Jacob), que se parece com o mal de Alzheimer, mas também afeta jovens. Poucas semanas depois, eleições encerraram 18 anos de governo conservador.

Até 2000, 88 pessoas morreram e a pecuária britânica foi devastada. 183.933 animais contraíram a doença no Reino Unido, 4,7 milhões (38% do rebanho) foram sacrificados para conter a doença, enquanto o país foi banido do mercado internacional de carnes. As medidas preventivas do Reino Unido contiveram parcialmente a doença: em 2000, houve 1.558 casos, contra 37.280 em 1992, auge da epidemia.

A partir de 1994, a doença começou a aparecer em outros países europeus e em cabeças de gado não importadas das ilhas britânicas, mas as autoridades européias se recusaram a aplicar as mesmas medidas que se mostraram necessárias na Grã-Bretanha. Enquanto isso, nos EUA, em abril de 1996, a famosa apresentadora Oprah Winfrey – equivalente à nossa Hebe Camargo – entrevistava os autores de um livro sobre a epidemia. Ao ouvir que também nos Estados Unidos as vacas eram forçadas ao canibalismo, ela disse no ar que nunca mais comeria um hambúrguer. Bastou isso para os pecuaristas a processarem (com base numa estranha lei do Texas de George W. Bush, que proíbe difamar alimentos perecíveis), exigindo uma indenização de US$ 160 milhões, supostamente perdidos com a queda do preço da carne no dia seguinte. Mas, um ano depois, o governo americano proibiu o uso de carne de ruminantes em rações e, em 1998, Oprah foi finalmente absolvida.

Em 1999, o risco de epidemia já era claro no continente europeu, com 170 casos em Portugal, 50 na Suíça e 31 na França. Mas foi só em 2000, com 162 animais e três pessoas morrendo da doença na França e com os primeiros casos na Alemanha e Espanha, que o pânico obrigou a União Européia a proibir o uso de farelo animal na alimentação de herbívoros e o consumo humano das partes mais suscetíveis de transmitir a doença (miolos, carnes com osso, tripas e rabada) a partir de janeiro de 2001. Mesmo com essas medidas, até 300 franceses poderão morrer antes que ela seja totalmente debelada, pois seu período de incubação é de 2 a 20 anos.

Alces e canadenses loucos – Um estudo da Comissão Européia de julho/2000 classificou os países de acordo com seu risco de vaca louca e considerou seguros os da América Latina, mais Austrália, Nova Zelândia e Noruega. Os Estados Unidos e o Canadá foram considerados riscos “marginais”, mas de qualquer forma a União Européia proíbe importar carne desses países porque fazem uso maciço de hormônios para engordar os animais.