A guerra entre Brasil e Canadá, desencadeada na última semana, mostrou a face selvagem das disputas na arena do comércio internacional. Em uma atitude inédita, o governo canadense suspendeu a importação de carne brasileira sob a alegação de não dispor de informações suficientes para se convencer de que o produto brasileiro estivesse livre da fatal doença da vaca louca. Embora o Canadá negue, em Brasília ninguém tem dúvida de que o bloqueio canadense não passa de uma represália na disputa dos dois países pelo bilionário mercado de aeronaves regionais, uma briga que se arrasta há quatro anos na Organização Mundial do Comércio (OMC), uma espécie de tribunal mundial para solução de disputas comerciais entre os países. O boicote à carne veio apenas 24 horas depois de o governo brasileiro ter conseguido adiar por 15 dias a contestação canadense ao programa federal de incentivo às exportações – o Proex. O Canadá quer o fim do programa, que financia, a juros mais baixos, a fabricação de aviões pela Embraer. Diz que é um subsídio disfarçado, o que prejudica a fabricante canadense Bombardier, principal concorrente no mesmo mercado. A pendenga já custou ao Brasil uma derrota no final do ano passado, quando a OMC deu ao Canadá o direito de compensar prejuízos de US$ 1,4 bilhão por conta dos financiamentos. O contencioso Bombardier-Embraer andava onde devia: no tapetão da OMC, dentro das regras. O boicote canadense foi considerado um golpe desleal, fora do campo.

O Canadá anunciou o boicote sem aviso prévio, não consultou a OMC, o que é de praxe, e não esperou que o governo brasileiro mandasse a papelada sobre os controles sanitários contra a doença. No final da semana, apesar de uma nota da embaixada canadense afirmando que avaliaria as informações brasileiras “da maneira mais rápida possível”, a temperatura ainda era alta. “A nota é insuficiente. O problema tem de ser resolvido com urgência”, disse o ministro-chefe da casa Civil, Pedro Parente, logo após uma reunião ministerial para avaliar a questão, na quinta-feira 8. O próprio presidente Fernando Henrique, que vinha se mantendo afastado da mesa de negociações, entrou no jogo de pressões. “Estou indignado. Não é o modo civilizado de tratar a questão”, declarou, em uma entrevista na tevê em horário nobre. “Acredito que um prazo de 15 dias para resolver a questão é o razoável. A paz é o ideal. Mas, se for guerra, é guerra”, disparou FHC. O ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, trabalha com um prazo ainda mais curto. O problema tem de estar resolvido até o final desta semana. Caso contrário, a decisão é iniciar uma retaliação.

O governo brasileiro prefere negociar e nem de longe imagina chegar a extremos, como cortar relações com o governo canadense. Mas preparou um cardápio revanchista variado, com itens tradicionais e golpes sofisticados. O Brasil pretende entrar com uma reclamação contra o Canadá na OMC e estuda processar o país pelos prejuízos causados aos exportadores brasileiros, que já acumulam contêineres nos portos. Também pode convencer importadores de produtos canadenses a trocar de fornecedor, remanchar na concessão de vantagens oficiais, como empréstimos do BNDES, a empresas canadenses instaladas no País. Coube ao ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, orientado pelo próprio Fernando Henrique, passar o recado. “Gostaria de saber se o Canadá é um país de uma empresa só”, perguntou Pimenta, na quinta-feira 8, em uma reunião com três gigantes canadenses do ramo de telecomunicações, todas com investimentos milionários do Brasil. Em outras palavras, para proteger a Bombardier, o governo do Canadá se arrisca a estimular a má vontade brasileira para com o restante do empresariado daquele país.