A explicação oficial é britânica: montadoras reduzem as taxas de juros para financiamentos de seus carros numa “demonstração inequívoca de sua confiança no mercado brasileiro”. A realidade, porém, não tem pompa. Com os pátios entupidos de carros que não foram vendidos em razão da desvalorização do real, da crise da Argentina, do medo das consequências do racionamento de energia, do acirramento da concorrência e da expectativa superestimada de vendas em 2001 insuflada pelo governo, concessionárias e montadoras não só reduzem a taxa de juros como proporcionam aos consumidores uma enxurrada de mimos.

Promoção tornou-se um santo remédio para livrar as montadoras de estoques indesejáveis. No começo do ano, a francesa Citroën ofereceu 800 viagens a Paris a compradores de qualquer modelo de sua linha (alguns trocaram a viagem por descontos). “As vendas nos dois primeiros meses aumentaram 50% em relação aos meses anteriores”, diz Nivea Morato, diretora de marketing. Em julho deste ano, a Citroën dá canetas Montblanc, promove ações em bares e restaurantes, empresta seu novo modelo, o Picasso, para que clientes vips façam test-drive e oferece muitas opções de financiamento.

Naul Ozi, diretor comercial da rede de concessionárias Sopave, diz que nunca viu acontecer algo parecido em seus mais de 20 anos de experiência no setor. “É a maior guerra de preços e promoções da história do setor”, afirma ele.

Ou, vista por outro ângulo, “é uma demonstração de que a situação está difícil para um setor que está no limite”, diz Glauco Arbix, professor do departamento de sociologia da USP e estudioso atento do setor de automóveis. Ou, ainda, “uma forma de empurrar carros que ficaram no pátio a partir de maio, quando a crise de energia foi anunciada pelo governo e o mercado começou a desandar”, diz Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

Tem de tudo, inclusive os feirões de sábados, domingos e feriados, cujo apelo do custo de fábrica vem seduzindo o consumidor – para alívio das montadoras. Num único final de semana, a Volkswagen vendeu seis mil carros no feirão, quando a média de vendas nos dois dias é de 2.500, segundo Paulo Sérgio Kakinoff, gerente de vendas da montadora alemã. O popular feirão é tão bom que a General Motors, primeira no mundo e, no momento, terceira no Brasil (considerando as vendas de janeiro a junho de 2001, de 190.250 veículos), vai repetir a dose neste final de semana.

Europeização – Para que o consumidor não deixe para amanhã o que o setor está ansioso para faturar hoje, o cardápio de promoções é vitaminado: bônus de até R$ 4 mil, sistema de ar condicionado, seguro total e IPVA, computadores, DVD, som com CD player, garantia de dois anos, prazos de financiamento à moda antiga (em até 48 meses), cruzeiros pela costa brasileira, redução da taxa de juros, opção da menor entrada possível, frete, pintura especial, valorização do usado, sorteio de veículos…

Por trás da alegria das promoções o cenário é sombrio para a indústria de automóveis. Se não fosse pelos sobressaltos provocados pela política econômica, que há dois anos delirou com previsões otimistas, levando as montadoras a se planejar para uma fase de crescimento, seria pelo aumento da concorrência. Somam 17 as indústrias que produzem carros no País. “O mercado brasileiro começa a esboçar uma tendência de europeização”, diz o professor Glauco Arbix. Isto é: nunca mais uma empresa do setor terá participação de 35%, 40% porque o bolo está sendo dividido por um número maior de comensais. A francesa Renault, por exemplo, recém-chegada, já representa um enorme obstáculo no caminho da recuperação da Ford, a quarta do ranking. Em junho, a francesa vendeu 7.051 carros e a americana, 8.538.

Diante desse cenário, as montadoras não têm outra alternativa a não ser a de se ajustar, com promoções festivas da porta para fora e aperto dentro dos portões das fábricas. “Todas reduziram a produção e a maioria adotou férias coletivas”, afirma o sindicalista Marinho. A culpa, ele diz, é do presidente Fernando Henrique. A perspectiva de um apagão (e seus desdobramentos de insegurança, desemprego, apego à poupança, etc) bateu direto nas vendas do setor. Some-se ao pânico da crise energética os escândalos políticos, o descrédito em relação ao governo, o despencar do real e da Argentina, e o consumidor se encolhe e reza para não perder o emprego. Daí o horizonte nublado que se vislumbra para a indústria automobilística nos últimos cinco meses de 2001.

Analistas com os pés no chão acreditam que as vendas em 2001 não vão ultrapassar 1,6 milhão, como em 2000, quando foram vendidos 1,681 milhão de veículos. E a meta projetada para 2001, de vendas de 1,9 milhão? “Nem que montadoras e concessionárias coloquem Vera Fischer nos carros”, dizem eles.