Jaraguá – Caio Reisewitz/ Museu da Cidade de São Paulo, SP/ até fevereiro

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APROPRIAÇÃO
O Jaraguá visto por Joaquim Reis e Jorge Furtado
de Mendonça integra mostra de Reisewitz

Quando os índios tupiniquins habitavam São Paulo, antes da chegada do padre Anchieta, em 1554, o Pico do Jaraguá provavelmente não era cultuado apenas por guardar minas de ouro no ribeirão Itaí, no alto de seus 1.135 metros. Se assim fosse, não seria chamado pelos primeiros habitantes do município de “Protetor do Vale”, significado de Jaraguá em tupi. Mas a história dos saques de seu ouro coincide com a da fundação das transformações urbanas que fizeram de São Paulo uma das mais populosas cidades do planeta. Hoje, o perfil do Jaraguá ainda reina soberano somente se contemplado do alto de um arranha-céu.

São raros os paulistanos que cultuam o Pico do Jaraguá como o Protetor do Vale que um dia ele foi. Mas para o fotógrafo Caio Reisewitz não é bem assim. “Minha vida passa pelo Jaraguá”, afirma o paulistano, que dedica seu novo trabalho ao icônico recorte da topografia natural de São Paulo. O ponto de partida da mostra “Jaraguá”, em cartaz no Museu da Cidade de São Paulo, foi uma pintura do morro, realizada por Jorge Furtado de Mendonça por volta de 1932. Parte do acervo da Pinacoteca Municipal, a pintura que decora o Gabinete da Prefeitura foi notada pelo artista quando ele fotografou a sala para uma série de “imagens do poder”, exibida no pavilhão nacional da 51ª Bienal de Veneza, em 2005.

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DESVIO
Instalação de Cildo Meireles é homenageada
em sala especial pintada de vermelho 

Essa pintura foi o mote para que Caio Reisewitz aprofundasse uma pesquisa sobre a representação iconográfica do Jaraguá, no acervo do Museu da Cidade, que guarda cerca de 84 mil imagens de São Paulo feitas nos últimos 150 anos. “Desde os primórdios da fotografia, sempre que tratamos da paisagem de São Paulo, falamos de uma paisagem urbana”, observa Reisewitz. Seu trabalho vem dar conta de uma São Paulo anterior às edificações que deram identidade à cidade. A pintura de Mendonça, portanto, é o ponto zero da exposição. Em torno dela, Reisewitz estrutura um discurso visual que devolve o protagonismo à natureza e a solenidade mágica ao pico. Compõem a mostra apropriações de fotografias de Joaquim Reis e de Militão Azevedo, refotografadas e ampliadas em grande escala.

A essa sobreposição de tempos históricos soma-se ainda uma homenagem ao artista carioca Cildo Meireles na última sala da exposição, cujas paredes estão pintadas de vermelho. Segundo o artista, o autor da instalação “Desvio para o Vermelho” é evocado pela ênfase que seu trabalho dedica aos espaços e às matérias. Assim, a exposição se propõe como uma trilha, ao longo da qual são vislumbradas diversas facetas não apenas do morro, mas da vida natural da região – também o rio Tamanduateí, que aparece em uma instalação de dez fotografias apropriadas. Entre elas, imagens feitas originalmente em branco e preto por Militão Azevedo e posteriormente pintadas por Reis. Quando essas imagens ganham uma terceira vida na instalação de Reisewitz, constatamos que o procedimento da “apropriação” – que se tornou frequente na obra de artistas contemporâneos desde os anos 1990 – já era prática comum no início do século XX. A presença do Tamanduateí nas proximidades do Jaraguá aponta para novo destino da pesquisa de Reisewitz: os rios canalizados de São Paulo.

Fotos: Caio Reisewitz