21/02/2001 - 10:00
Carlos Nogueira/A Tribuna de Santos |
Integrantes da Força Sindical tentam deter desembarque de maquinaria canadense no porto de Santos. Evans (pág. ao lado) acena com normalização das importações canadenses de carne brasileira na quarta-feira 21 |
O Ministério da Agricultura provavelmente dirá que foi só coincidência. Mas tudo indica que a decisão de determinar o sacrifício dos animais importados da Europa quando já não estiverem mais em idade reprodutiva foi uma antecipação. A equipe brasileira, informada de que esta seria uma sugestão da equipe técnica do Nafta ao final da visita ao Brasil, decidiu editar logo a norma e evitar o constrangimento de ter que acatar uma recomendação canadense contra a doença da vaca louca. A medida foi publicada no Diário Oficial da União no mesmo dia em que os técnicos do Canadá, dos Estados Unidos e do México desembarcaram em Brasília, na quarta-feira 14.
O Ministério da Agricultura proibiu também que os animais importados de países com casos da doença sejam vendidos para consumo humano ou para a fabricação de rações animais. Os proprietários desses animais deverão ainda informar o governo, caso decidam vendê-los a outros pecuaristas. O governo se compromete a indenizar os pecuaristas pelos animais sacrificados.
Leopoldo Silva |
O Ministério da Agricultura vai levar mais 15 dias para concluir o rastreamento dos bovinos importados da Alemanha e da França até 1997, principal preocupação do Canadá de acordo com o diretor executivo do departamento de produtos animais da Agência Canadense de Inspeção de Alimentos, Brian Evans, responsável pela missão encaminhada ao Brasil. O total de animais importados dos dois países pode chegar a 5,8 mil. Como essas compras foram feitas há pelo menos três anos (quando foram proibidas), a tarefa não é das mais simples. É muito provável que os restos de alguns desses animais tenham sido usados na fabricação de rações para alimentar gado, o que era frequente nos países da União Européia e também permitido no Brasil, ao menos até julho de 1996. “Os canadenses não querem saber em que fazenda está cada animal. Querem checar se o nosso sistema de controle é bom, e ele é”, diz o ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes. “A maior parte dos animais já está rastreada. Em quinze dias, teremos todos identificados e visitados nas fazendas”, garante o ministro.
O agrônomo Dante Pazzanese Lanna, professor da Esalq (Escola Superior Agrícola Luiz de Queiroz) da USP, considera, no entanto, que os riscos para o consumidor brasileiro são infinitamente menores do que os enfrentados pelos americanos, por exemplo. Especialista em alimentação de bovinos, Lanna diz que 95% do rebanho dos EUA é criado em confinamento e se alimenta à base de ração. No Brasil, apenas 1,5 milhão de animais é confinado, dentre 33 milhões de cabeças abatidas anualmente. “O gado brasileiro confinado se alimenta de ração de origem vegetal, como farelo de soja e de algodão. Os pecuaristas a preferem porque é mais palatável para o gado e custa menos”, afirma o professor da USP.
A missão de técnicos estrangeiros deverá passar alguns dias no Brasil, visitando fazendas, laboratórios ligados ao Ministério da Agricultura e fábricas de rações de animais. O embargo à carne brasileira poderá ser suspenso na quarta-feira 21, afirmou Brian Evans. Enquanto o embargo durar, os pecuaristas e frigoríficos especializados na venda de carne para os Estados Unidos e Canadá terão de amargar prejuízos. Um deles, por sinal, o Independência, do Mato Grosso do Sul, anunciou semana passada a demissão de funcionários por conta da suspensão das importações do Canadá.
A pressão brasileira para voltar a vender carne para americanos e canadenses continua. Uma comissão formada por senadores e deputados planeja ir ao Canadá para defender a carne nacional. Na área extra-oficial, os protestos mais veementes vieram do Porto de Santos, onde o sindicato dos portuários decidiu suspender o desembarque de mercadorias vindas do Canadá. Na sexta-feira 16, os estivadores voltaram atrás.
A resposta do governo canadense, ao que tudo indica, deverá manter o tom das anteriores: a questão não tem ligação com a disputa travada com o Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio) em torno do mercado de aviões. Trata-se apenas de zelo dos responsáveis pela vigilância sanitária canadense. O discurso já levou a Malásia, país que não faz parte do Nafta, a parar de comprar carne brasileira.
Aviões – Ainda que o discurso dos canadenses não mude, o ânimo do governo de Jean Chrétien para defender os interesses da fábrica de aviões Bombardier continua a todo vapor. Na sexta-feira 16, a OMC aceitou um pedido de abertura de investigação sobre o programa brasileiro de financiamento às exportações, conhecido como Proex. Aí o alvo é declaradamente a Embraer e seus aviões. Como é a segunda vez que o governo canadense fez um pedido nessa direção, a OMC, de acordo com suas regras, teve de aceitá-lo. Ou seja, será uma munição a mais para os canadenses defenderem os seus interesses comerciais. O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Lafer, disse na semana passada que o governo canadense poderá ser levado à OMC, caso persista o embargo à carne. Neste ponto, entretanto, o Canadá terá como se defender: as regras da OMC permitem a suspensão de importações quando envolverem risco à saúde dos consumidores.