Carlos Nogueira/A Tribuna de Santos
Integrantes da Força Sindical tentam deter desembarque de maquinaria canadense no porto de Santos. Evans (pág. ao lado) acena com normalização das importações canadenses de carne brasileira na quarta-feira 21

O Ministério da Agricultura provavelmente dirá que foi só coincidência. Mas tudo indica que a decisão de determinar o sacrifício dos animais importados da Europa quando já não estiverem mais em idade reprodutiva foi uma antecipação. A equipe brasileira, informada de que esta seria uma sugestão da equipe técnica do Nafta ao final da visita ao Brasil, decidiu editar logo a norma e evitar o constrangimento de ter que acatar uma recomendação canadense contra a doença da vaca louca. A medida foi publicada no Diário Oficial da União no mesmo dia em que os técnicos do Canadá, dos Estados Unidos e do México desembarcaram em Brasília, na quarta-feira 14.

O Ministério da Agricultura proibiu também que os animais importados de países com casos da doença sejam vendidos para consumo humano ou para a fabricação de rações animais. Os proprietários desses animais deverão ainda informar o governo, caso decidam vendê-los a outros pecuaristas. O governo se compromete a indenizar os pecuaristas pelos animais sacrificados.

Leopoldo Silva

O Ministério da Agricultura vai levar mais 15 dias para concluir o rastreamento dos bovinos importados da Alemanha e da França até 1997, principal preocupação do Canadá de acordo com o diretor executivo do departamento de produtos animais da Agência Canadense de Inspeção de Alimentos, Brian Evans, responsável pela missão encaminhada ao Brasil. O total de animais importados dos dois países pode chegar a 5,8 mil. Como essas compras foram feitas há pelo menos três anos (quando foram proibidas), a tarefa não é das mais simples. É muito provável que os restos de alguns desses animais tenham sido usados na fabricação de rações para alimentar gado, o que era frequente nos países da União Européia e também permitido no Brasil, ao menos até julho de 1996. “Os canadenses não querem saber em que fazenda está cada animal. Querem checar se o nosso sistema de controle é bom, e ele é”, diz o ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes. “A maior parte dos animais já está rastreada. Em quinze dias, teremos todos identificados e visitados nas fazendas”, garante o ministro.

O agrônomo Dante Pazzanese Lanna, professor da Esalq (Escola Superior Agrícola Luiz de Queiroz) da USP, considera, no entanto, que os riscos para o consumidor brasileiro são infinitamente menores do que os enfrentados pelos americanos, por exemplo. Especialista em alimentação de bovinos, Lanna diz que 95% do rebanho dos EUA é criado em confinamento e se alimenta à base de ração. No Brasil, apenas 1,5 milhão de animais é confinado, dentre 33 milhões de cabeças abatidas anualmente. “O gado brasileiro confinado se alimenta de ração de origem vegetal, como farelo de soja e de algodão. Os pecuaristas a preferem porque é mais palatável para o gado e custa menos”, afirma o professor da USP.

A missão de técnicos estrangeiros deverá passar alguns dias no Brasil, visitando fazendas, laboratórios ligados ao Ministério da Agricultura e fábricas de rações de animais. O embargo à carne brasileira poderá ser suspenso na quarta-feira 21, afirmou Brian Evans. Enquanto o embargo durar, os pecuaristas e frigoríficos especializados na venda de carne para os Estados Unidos e Canadá terão de amargar prejuízos. Um deles, por sinal, o Independência, do Mato Grosso do Sul, anunciou semana passada a demissão de funcionários por conta da suspensão das importações do Canadá.

A pressão brasileira para voltar a vender carne para americanos e canadenses continua. Uma comissão formada por senadores e deputados planeja ir ao Canadá para defender a carne nacional. Na área extra-oficial, os protestos mais veementes vieram do Porto de Santos, onde o sindicato dos portuários decidiu suspender o desembarque de mercadorias vindas do Canadá. Na sexta-feira 16, os estivadores voltaram atrás.

A resposta do governo canadense, ao que tudo indica, deverá manter o tom das anteriores: a questão não tem ligação com a disputa travada com o Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio) em torno do mercado de aviões. Trata-se apenas de zelo dos responsáveis pela vigilância sanitária canadense. O discurso já levou a Malásia, país que não faz parte do Nafta, a parar de comprar carne brasileira.

Aviões – Ainda que o discurso dos canadenses não mude, o ânimo do governo de Jean Chrétien para defender os interesses da fábrica de aviões Bombardier continua a todo vapor. Na sexta-feira 16, a OMC aceitou um pedido de abertura de investigação sobre o programa brasileiro de financiamento às exportações, conhecido como Proex. Aí o alvo é declaradamente a Embraer e seus aviões. Como é a segunda vez que o governo canadense fez um pedido nessa direção, a OMC, de acordo com suas regras, teve de aceitá-lo. Ou seja, será uma munição a mais para os canadenses defenderem os seus interesses comerciais. O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Lafer, disse na semana passada que o governo canadense poderá ser levado à OMC, caso persista o embargo à carne. Neste ponto, entretanto, o Canadá terá como se defender: as regras da OMC permitem a suspensão de importações quando envolverem risco à saúde dos consumidores.