"Temos de fazer essa gente falar nem que seja na base da porrada.” A frase, uma ordem para o uso de torturas como instrumento para a obtenção de confissões, está registrada em um documento que carrega o timbre do Exército brasileiro. Trata-se de considerações redigidas à mão por um oficial, recomendando aos seus “companheiros” mais rapidez nas ações contra os opositores da ditadura. O manuscrito está guardado em um dossiê que os militares ainda hoje insistem em manter sob segredo. É o arquivo da Operação Bandeirantes (Oban), a mais truculenta ação empreendida na ditadura, realizada entre 1968 e 1970 sob a coordenação do II Exército, em São Paulo. Alguns desses documentos foram mostrados a ISTOÉ por um coronel da Aeronáutica, no centro de Niterói (RJ). Um relatório, em papel timbrado da própria Aeronáutica, informa que a Oban submeteu 1.200 pessoas a longos interrogatórios especiais, com choques elétricos, espancamentos e afogamentos. Algumas vítimas desse tratamento não resistiram e morreram. É o caso de Joaquim de Alencar Seixas. Seu filho, o jornalista Ivan Seixas, também preso pelos militares, pôde acompanhar a sessão de tortura que terminou com a vida de seu pai. “A Oban foi a mais violenta operação após a decretação do AI-5, em 1968”, admite Octávio Costa, general da reserva. É a primeira vez que um militar faz comentários e revelações a respeito da operação.

Caixinha do terror – Além da tortura, a Oban também se caracterizou pelo alto custo de suas ações. Os militares chegavam a manter carros do Exército circulando pela cidade por dias e dias seguidos apenas com o objetivo de se tornar alvos dos militantes de esquerda. Uma armadilha que resultou na prisão e até na morte de opositores, como a militante comunista Ana Maria Cianowitz. “O apoio financeiro dos empresários de São Paulo à Oban foi decisivo para a estrutura adotada na repressão paulista”, lembra o general Costa. A arrecadação do dinheiro era coordenada pelo empresário Hening Boilensen, ligado ao grupo Ultra, e executado pelo Movimento Revolucionário Tiradentes e pela Ação Libertadora Nacional, em 1971.

Boilensen, o tesoureiro da Oban, era conhecido entre os militares como um homem extremamente cruel e intolerante. Em 1969, em uma reunião no II Exército, ele afirmou, referindo-se aos militantes de esquerda: “Temos de eliminar todos estes porcos.” Para juntar recursos, Boilensen promovia palestras entre empresários. “Vocês são beneficiados pela revolução e devem colaborar”, disse em um desses encontros na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Theobaldo de Nigris, o presidente da Fiesp na época, era um homem de direita e abria a entidade para os encontros de Boilensen”, recorda o coronel Tarcísio Nunes Ferreira, um dos críticos da Oban.

O general Octávio Costa lembra que assistiu a uma dessas reuniões de Boilesen com empresários, durante um jantar em São Paulo. “Fui fazer uma palestra sobre comunicação social, e depois, como convidado, compareci àquele jantar. Estava lá o publicitário Said Farhat, que, mais tarde, veio a ser o porta-voz do presidente Figueiredo”, recorda-se. Em suas reuniões, o empresário-tesoureiro da Oban também costumava tecer críticas ferozes aos colegas que se recusavam a contribuir financeiramente para a manutenção do terror. “Se você é liberal, está próximo dos comunistas”, radicalizava. Os documentos mostrados a ISTOÉ revelam que entre aqueles que se negavam a contribuir estava José Mindlin, do grupo Metal Leve. Rotulado por Boilensen como “um homem de esquerda”, Mindlin não se dobrou à pressão de radicais para demitir o jornalista Wladimir Herzog da TV Cultura, quando era secretário de Cultura de São Paulo.