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O campeão de stand-up paddle Alessandro Matero
arrisca a pele  para denunciar um dos maiores absurdos
de São Paulo: a podridão de suas águas

Deve haver infinitas maneiras de medir o índice de desenvolvimento de uma comunidade. Há quem diga que quanto menor o número de notícias relacionadas à política nas primeiras páginas de seus jornais, mais avançada será a sociedade. Há quem prefira medir o nível de civilidade de um povo pela qualidade média dos guardanapos oferecidos nos restaurantes do local. Se forem de tecidos de bom toque, alvos e exalando aromas agradáveis de limpeza, segundo essa corrente, tudo indica se tratar de um lugar desenvolvido. Umas métricas podem ser mais aceitas e fazer mais sentido que outras, mas pouca gente discorda de que se pode avaliar o grau de avanço de um aglomerado urbano com muita precisão pela qualidade de suas águas. 

Não há espaço aqui nem é ocasião para tratar de questões que remontam ao começo do século passado, como a pendenga entre Prestes Maia e Saturnino de Brito vencida pelo primeiro, que tratou de canalizar boa parte dos rios da cidade de São Paulo, atendendo aos interesses da elite da época em detrimento do projeto de navegabilidade pretendido pelo segundo, como aponta o executivo da área de tecnologia e estudioso diletante das questões da cidade, Ari Meneghini. Nem mesmo para falar do que vivemos hoje em termos de desabastecimento e da chamada “crise hídrica”. A imagem ao lado mostra algo que podemos chamar, já pedindo perdão pelo trocadilho infame, de “uma abordagem mais seca” do tema. O remador profissional e ex-campeão brasileiro de stand-up paddle Alessandro Matero resolveu arriscar a pele para produzir um alerta muito claro a respeito de um dos maiores absurdos estampados na cara da cidade mais importante da sétima maior economia do planeta: o que resta dos principais rios que ainda permanecem sob a luz do dia na cidade de São Paulo são na verdade massas liquefeitas, fétidas e putrefatas de algo que há muito não pode nem merece mais ser chamado de água. Para lembrar aquilo que jamais devia ter sido esquecido, Matero se lançou em parceria com a revista “Trip”, ao desafio de uma seção de remo sobre sua prancha ao longo de três quilômetros do “rio” Pinheiros.

Munido de uma roupa especial que protegia seu corpo dos riscos graves que uma eventual queda representaria ao seu organismo e de uma máscara para defender seus pulmões dos gases irrespiráveis que exalam do caldo de lixo em que se transformou o rio, o atleta remou por cerca de meia hora num protesto silencioso que podia ser visto das janelas das maiores corporações atuantes no País. Algumas das maiores empresas dos setores de alimentos, farmacêutico, petroquímico, bancos, bancas de advogados, construtoras, holdings e diversas empresas do setor financeiro têm suas sedes e seus negócios exatamente às margens dessa artéria podre do organismo do qual fazem parte e retiram seus rendimentos. Tanto o governo do Estado quanto a iniciativa privada têm nos rios da cidade uma das mais óbvias oportunidades para mostrar quais são seus reais propósitos. Ainda que não seja pelo espírito de cidadania, é difícil imaginar uma chance mais perfeita para edificar de forma definitiva a imagem de modernidade e de propósito social tão almejada hoje pelos conselhos de administração e que decora nove entre dez paredes de salas de reuniões impressa nos inevitáveis quadros de missão, visão e valores pendurados nas sedes de grandes empresas.

E se as questões ligadas aos rios de São Paulo estão longe de ser equações simples, também não há nada além de falta de motivação real que nos impeça de tomar atitudes muito efetivas no sentido de uma solução concreta. Na USP e em outros centros de pensamento,
há pessoas com ideias sérias para serem consultadas. A organização não governamental “Águas Claras do Rio Pinheiros” é outra fonte importante e confiável. Em eu site, por exemplo, podem-se conhecer seis alternativas objetivas para atacar as diferentes problemáticas que
já vêm inclusive sendo testadas numa parceria dessa ONG com o governo do Estado. Fica a dica.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente

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Fotos: Marcos Vilas Boas/Acervo TRIP


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