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Hopkins na pele de Lecter: prazer pela carne humana

Um dos prazeres confessos de sir Anthony Hopkins, 63 anos, é aterrorizar quem divide com ele o elevador. Desde que sua silhueta de galês elegante esteve associada ao canibal Hannibal Lecter, de O silêncio dos inocentes, basta o ator esboçar um mínimo movimento nos lábios para o passageiro sair do elevador incomodado. De fato, ninguém gostaria de encontrar Hannibal Lecter. Mas com certeza poucos vão evitar a nova aventura desta besta refinada, que costuma temperar de ironia seu prazer pela carne humana. Só que o personagem perdeu em suspense psicológico e ganhou em horror estilizado no violento Hannibal (Hannibal, Estados Unidos, 2001), cartaz nacional na sexta-feira 23, que provocou um arraso nas bilheterias americanas quando, na semana de estréia, recuperou US$ 58 milhões dos US$ 87 milhões gastos na produção.

Tamanha performance foi uma surpresa. Imaginava-se que a continuação do filme de Jonathan Demme, vencedor dos cinco principais Oscar de 1991, perderia o interesse por não ter Jodie Foster no papel da agente do FBI Clarice Starling, agora encarnada por Julianne Moore. Ficou provado, porém, que insubstituível mesmo era Hopkins. Na produção anterior, ele roubava a cena em apenas 21 minutos diante das câmeras. O impacto levou o autor best seller de terror Stephen King a qualificá-lo de “o maior monstro ficcional de nossa época”. Agora, Hopkins ganhou o filme inteiro. Só não assusta tanto. Dirigida por Ridley Scott, a fita mostra o doutor Hannibal Lecter, já foragido há dez anos do Baltimore State Hospital, levando a vida que pediu a Deus em Florença como especialista em arte renascentista. Continua caprichoso, praticando seus crimes sem ninguém descobrir.

Divulgação
Agente do FBI usada como isca do canibal

Mas infelizmente o personagem foi transformado por Scott numa paródia de si mesmo, num psicopata afetado, com tiradas perversas na manga do paletó de grife. Tão perfeccionista em suas ações, Lecter deixou viver uma de suas vítimas e ex-paciente, supostamente por descuido ou perversão. Ele é o milionário Mason Verger, herdeiro de um império frigorífico, vivido por um irreconhecível Gary Oldman, que, por uma brincadeira do diretor, não consta nos créditos. Verger teve o rosto completamente deformado ao dividir uma farra sadomasoquista com Lecter. Drogado, foi persuadido pelo médico a arrancar fatias da própria face com um caco de espelho e jogá-las a seu cão faminto. É uma cena de revirar o estômago. Para se vingar de seu algoz, o mutilado imagina uma maldade parecida. Quer servi-lo vivo a um bando de porcos selvagens, que babam de fome ao ouvir uma gravação de homens gritando de dor.

O problema é capturar o canibal. Verger usa como isca a agente do FBI Clarice Starling, por quem o serial killer nutre sentimento especial. A atração dos dois, antes tão ambígua, nas mãos de Scott perdeu as nuanças. Sobraram as mortes mórbidas de todos os que se interpõem no caminho de Hannibal Lecter, como o avarento inspetor italiano Rinaldo Pazzi (Giancarlo Giannini) e o policial Paul Krendler (Ray Liotta), cujo pecado é a burrice. Cada um morre de um jeito mais horripilante que o outro. Definitivamente, não é um filme para se ver perto das refeições.


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