O jogador defende a participação dos atletas na gestão da entidade e diz que a corrupção está disseminada nas organizações esportivas brasileiras

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OLIMPÍADA
"A pressão aumenta bastante por jogarmos em casa.
Não tem como fugir do favoritismo", diz ele

O escândalo dos desvios de dinheiro público na Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) – detectados pela Controladoria-Geral da União (CGU) e revelados no fim do ano passado – pôs em xeque o futuro do esporte no País, após o Banco do Brasil suspender o patrocínio de R$ 70 milhões anuais. As irregularidades ocorreram na gestão de Ary Graça, atual presidente da Federação Internacional de Vôlei. Para retomar o contrato, a instituição financeira quer garantias de que a atual administração da entidade irá sanar os problemas e a inclusão dos jogadores e técnicos na gestão. A CBV se comprometeu a atender às exigências e um aditivo no contrato deverá ser assinado em breve para que os desembolsos sejam retomados.

 

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"Tivemos muitos arranca-rabos na seleção. Em 2011, tive uma
discussão feia com o Bernardo. Minha relação com ele
é ótima, mas, se precisar brigar de novo, vamos discutir"

 

A entidade também já teve uma primeira reunião com jogadores para discutir como será a participação deles. O ponta Murilo Endres, do Sesi-SP, é um dos atletas mais envolvidos nesse processo. À ISTOÉ, ele diz o que os jogadores querem, fala do favoritismo da seleção na Olimpíada e da sua vida com a mulher, Jaqueline Carvalho, da seleção feminina, com quem há um ano teve Arthur.

 

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"Éramos virgens (antes do início do namoro) mais por falta de oportunidade.
Eu e a Jaque saímos cedo de casa, ela com 15 anos e eu com 17.
Foi assim no nosso caso, não ficamos pregando virgindade para ninguém"

Foto: Everton Amaro/FIESP

 

ISTOÉ

A CBV comunicou ao Banco do Brasil que concorda com as exigências feitas pelo banco e pela CGU, como a inclusão de atletas na gestão da entidade, para retomar o patrocínio. Como se dará essa participação?

 
Murilo Endres

A CBV irá indicar alguns nomes. Já sabemos quais são, mas os atletas precisam aceitar o cargo e saber que papel realmente terão lá dentro. Houve uma reunião com a CBV na qual estavam presentes jogadores, técnicos, dirigentes e tivemos algumas garantias de mudanças na administração da entidade. Vamos dar um voto de confiança para que eles possam trabalhar. Uma vez lá dentro, iremos saber o que acontece nas assembleias da CBV, vamos ter acesso a contratos e aí tudo vai ficar mais claro para nós. 

 
ISTOÉ

Vocês já tentaram participar antes? 

Murilo Endres

Na época do Ary Graça (presidente da CBV quando houve os desvios), nós tentamos criar uma comissão de atletas, a Unidos pelo Vôlei. Ela começou com alguns jogadores da seleção discutindo como poderíamos melhorar o vôlei. Decidimos, então, fazer contato com os capitães de todos os times brasileiros para conversar sobre isso. Logo criamos um grupo na internet onde conseguimos reunir praticamente todos os jogadores do País – mais de 300. O movimento tinha dado uma esfriada, mas, com a divulgação do relatório da CGU, voltamos à tona. Queremos ser uma espécie de Bom Senso FC do nosso esporte.

 
ISTOÉ

 O que fizeram na época?

Murilo Endres

Chegamos a ir às reuniões, mas infelizmente não tínhamos voz ativa nem poder de decisão. Então, a primeira coisa que queremos é que tenhamos direito a voto. Só se participarmos das decisões é que alguma coisa vai mudar. Talvez até uma mudança no estatuto para que atletas possam escolher o presidente. Clubes e técnicos também. Não acho justo que só os presidentes das federações estaduais possam se eleger para liderar a confederação nacional. Por que eu não posso comandar a CBV? Dediquei 15 anos da minha vida ao vôlei.

 
ISTOÉ

Não temeu retaliações após suas duras críticas, nas redes sociais, aos desmandos?

Murilo Endres

O livro de regras da Superliga diz que os jogadores não podem criticar. Outros atletas já foram notificados e receberam multas por causa disso. Comigo nunca aconteceu, e eu não fiquei com medo porque não falei nenhuma mentira. Foi um desabafo. Nesse dia, conversei com outro jogador, que me falou: “Esquece isso, vai dar em nada. Você está vendo aí o mensalão e o escândalo da Petrobras”. Eu respondi: “Mas esse está muito mais próximo da gente. Podemos influenciar. É nossa obrigação tentar”. Não quero que caia no esquecimento, como muitas coisas no nosso país.

 
ISTOÉ

Em meio à crise, você, o técnico Bernardinho e outros esportistas foram punidos por causa de um episódio no mundial da Polônia. Acha que esses fatos estão relacionados?

 
Murilo Endres

Fui punido com suspensão por um jogo. Vejo como uma retaliação do Ary Graça (ele agora está à frente da Federação Internacional de vôlei). Foi por causa de uma briga que aconteceu no Mundial do ano passado, mas é engraçado o julgamento sair logo após as denúncias. O Ary disse que não participou da decisão, mas eu não acredito. Ele fazia a mesma coisa na Confederação Brasileira, controlava tudo. Desde o office boy até o cargo mais alto, tudo passava por ele.

ISTOÉ

Recentemente, a Confederação Brasileira de Tênis também foi acusada de malfeitos. A corrupção está disseminada nas organizações esportivas?

Murilo Endres

Está tudo infestado. O modelo é ruim, arcaico. A CGU não pode atuar diretamente nas federaçõe a não ser que elas recebam dinheiro público. Então ninguém consegue fiscalizar. Elas mesmas se fiscalizam ou contratam uma auditoria externa, que é uma perda de tempo porque você paga para a pessoa te auditar. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) também é um exemplo negativo. Eles se defendem muito. A estrutura das confederações conta com presidentes de federações há 20, 30 anos no poder. Os caras não precisam mostrar serviço, trocam voto por perdão de dívidas, que a maioria dos clubes tem. Para mudar é preciso uma série de medidas: limitar o número de reeleições da presidência, fortalecer os clubes e punir os responsáveis pelos desvios, ressarcindo e reinvestindo o dinheiro. Acho que depois de episódios como esses o esporte sairá fortalecido.

ISTOÉ

A seleção é favorita ao ouro olímpico?

Murilo Endres

A pressão aumenta bastante por jogarmos em casa. Não tem como fugir do favoritismo. Na Olimpíada, se a gente não for campeão será um resultado que não vai agradar a ninguém. Precisamos unir a equipe e nos fechar porque a mídia e os torcedores vão estar em cima. Mas somos um time com condição de brigar pelo ouro. Temos alguns jogadores mais velhos – meu caso – e também outros mais novos, uma mescla muito boa.

 
ISTOÉ

É certo que você jogará?

Murilo Endres

Quero jogar, mas não é certo. O técnico tem que me convocar, e para isso eu tenho que estar 100%  fisicamente. Não quero estar na seleção pelo nome que eu tenho, quero estar lá para brigar pelo ouro. Hoje, por conta de duas operações que fiz, ainda não estou 100%.

 
ISTOÉ

Você e outros jogadores já tiveram conflitos com o Bernardinho. A relação está desgastada para 2016?

Murilo Endres

Nem um pouco. Tivemos muitos arranca-rabos na seleção. São coisas que acontecem dentro de quadra e que ficam ali. Em 2011, tive uma discussão feia com o Bernardo, que envolveu também o Serginho. Ninguém viu, mas quando o jogo acabou nós apertamos a mão dele. Minha relação com o Bernardo é ótima. Se precisar brigar de novo, vamos discutir. Talvez num momento em que eu esteja irritado – ele está sempre irritado – o atrito pode acontecer. No masculino isso é comum e resolvemos dentro de quadra mesmo.

 
ISTOÉ

Existe alguma possibilidade de o Bernardinho não ser o técnico da seleção no Rio?

Murilo Endres

Eu acho que não, a não ser que o presidente da confederação  o demita. Ou se ele não quiser. Mas pelos atletas, por causa de briga, sem a mínima chance de ele sair.

ISTOÉ

Qual foi o momento mais difícil da sua carreira?

Murilo Endres

Foi difícil ficar na sombra do meu irmão, Gustavo, no começo da carreira, porque ele já era um jogador de seleção. Tive que correr atrás para provar que eu tinha o meu talento, que podia chegar à seleção. Desvincular da imagem dele levou muito tempo. Até hoje muitos me chamam de Gustavo. Durante anos eu precisei ficar escutando isso quieto.

ISTOÉ

Incomoda-se com o fato de a Jaqueline, sua mulher, da seleção feminina de vôlei, ser considerada uma musa?

 
Murilo Endres

Não. Em casa ela é só a minha esposa. Também pelo fato de todo fã de voleibol saber que estamos juntos há muito tempo, praticamente 15 anos, há muito respeito. Em quadra sempre tem alguém que grita alguma coisa, mas isso não abala. Nunca tivemos um episódio de estarmos num local público e sofrermos um assédio maior.

 
ISTOÉ

 Dos dois, quem é mais assediado?

Murilo Endres

 A gente tem mais fãs mulheres que homens no vôlei, então, consequentemente, acho que sou eu.

ISTOÉ

A Jaqueline já disse que no começo da carreira foi isolada na seleção pela fama de beldade. O mesmo aconteceu com você?

 
Murilo Endres

Não, no masculino eu sou sacaneado por isso. Dizem: “Pô, que frescura”. Fiz umas fotos sensuais uma vez e os caras colaram no vestiário. Não tem essa de “muso”. No feminino tem muita vaidade. No masculino é só zoação.

ISTOÉ

Vocês dois eram virgens antes de começarem a namorar por opção, religião ou falta de oportunidade?

 
Murilo Endres

Foi mais por falta de oportunidade. Eu e a Jaque saímos cedo de casa, ela de Recife (PE), com 15 anos, eu de Passo Fundo (RS), com 17. Simplesmente foi assim no nosso caso. Não ficamos pregando virgindade para ninguém. 

ISTOÉ

Em casa, quem manda mais?

 
Murilo Endres

 Hoje em dia não tem por que ficar negando, a mulher manda muito mais dentro de casa do que o homem (risos).

ISTOÉ

 O que mudou na sua vida desde que virou pai?

Murilo Endres

O fato de eu chegar em casa e ele estar me esperando com um sorriso. O estresse do pós-jogo melhorou porque tenho que dar atenção a ele. Eu e a Jaque compramos uma casa em Itu para sair de São Paulo, dar uma chance de ele correr num gramado e andar na rua. Praticamente todo fim de semana a gente ia, respirava ar puro. É lá que a gente quer que o Arthur cresça. Agora está um pouco mais difícil porque ela está em Belo Horizonte. Fechou um contrato no início de dezembro do ano passado. Vamos ficar indo e vindo com o Arthur até acabar a Superliga.

 
ISTOÉ

 Seu sonho, qual é?

Murilo Endres

No esporte é fechar a Olimpíada com o ouro aqui no Brasil. Apesar de eu ter dois em casa, ambos são da Jaqueline. Não é a mesma coisa (risos). Pessoalmente, educar meu filho e quem sabe criar outros daqui a alguns anos. Pensamos em pelo menos mais um. Mas só depois de 2016. Antes disso está fora de questão.

 
ISTOÉ

 Pensa em aposentadoria?

Murilo Endres

Se eu chegar à Olimpíada, vai ser a minha última competição na seleção. Mas em clubes acho que ainda dá para jogar mais alguns anos. O meu irmão está com 39. Na Olimpíada estarei com 35. Depois disso devo jogar mais uns dois anos. Isso se não houver problemas com lesões, lógico.