01/08/2001 - 10:00
O rabino mais conhecido do Brasil não é brasileiro. É filho de belgas, português de nascimento, mas cidadão americano. Seu famoso sotaque pode ser reconhecido a distância. Vaidoso, Sobel faz questão de manter as suas marcas registradas: o colarinho alto da camisa, o nó largo da gravata, a kipá (solidéu) púrpura e os cabelos longos, já grisalhos, após 57 anos de vida. Em quase 31 anos de Brasil, o rabino se tornou a voz mais ativa da comunidade judaica, empenhou-se nas atividades ecumênicas e quase perdeu seu emprego no final do ano passado por uma briga de poder e egos. Não sabe onde é mais perigoso viver, se em São Paulo ou em Israel. Sabe, porém, que a solução para a paz no Oriente Médio só deve acontecer a longo prazo, cerca de 20 anos. Apesar de não ser partidário do primeiro ministro de Israel, Ariel Sharon, Sobel acredita que ele seja “o homem certo, na hora certa”. Entre várias xícaras de café, que jura também tomar com mendigos da rua onde trabalha, Henry Sobel concedeu a seguinte entrevista a IstoÉ:
O sr. é um rabino muito popular, desembaraçado, moderno. No seu curso de rabinato, o sr. tinha aulas de marketing ou relações públicas?
Nem uma nem outra. Entrei no seminário rabínico por gostar do judaísmo. Sempre gostei de gente, todas elas. Pode ser uma alta autoridade em Brasília ou um mendigo para tomar um café no bar da esquina. A possibilidade de me relacionar com elas me dá satisfação.
Já aconteceu de o sr. tomar um café com mendigo?
Já, com frequência! Há um bar na esquina da Congregação Israelita Paulista (CIP) onde tomo café regularmente com amigos que são também mendigos de rua. Eu gosto, pois levo as pessoas muito a sério.
O sr. sempre está atrelado ao poder. Tem canal direto com prefeitos, governadores e até com o presidente. Como é lidar com o poder?
O poder faz parte. Não fico deslumbrado. Tenho facilidade de relacionamento, trafego bem com pessoas de todas as classes sociais. Com ricos e pobres, poderosos e não-poderosos.
Quando o titã Marcelo Frommer, que era judeu, morreu em junho, houve uma polêmica em relação à doação de órgãos. Afinal, os judeus podem doar os seus órgãos?
O judaísmo considera fundamental o respeito pelos mortos. A integridade do corpo deve ser mantida. Porém, uma das leis mais importantes do judaísmo é o dever de salvar uma vida. Não pode haver maior tributo aos mortos do que utilizar seus restos mortais para salvar ou prolongar outra vida humana. Ou seja, é permitido.
Como foram seus 30 anos de Brasil?
Completo 31 anos em agosto. Houve momentos bons e ruins, aprendi muito desde que recebi o convite para vir para cá. Sinto-me privilegiado em poder servir a mesma congregação (a Congregação Israelita Paulista), algo raro no rabinato.
O sr. enfrentou uma crise junto à diretoria da CIP no final do ano passado, que culminou com sua demissão e, posteriormente, readmissão. O que realmente ocorreu?
Acredito que o problema todo foi pessoal. Não foi ideológico nem operacional. Sem dúvida, tivemos problemas de vaidades, uma luta pelo poder. A diretoria achava importante “encaixar”, “enquadrar” o rabino em vez de trabalhar com ele. Mas no final deu tudo certo. Temos uma nova diretoria, mais dinâmica, ativa e acredito que há males que vêm para o bem. Estou profundamente aborrecido com o que aconteceu.
O sr. é presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista, uma entre outras congregações. Como o sr. é remunerado?
Sou contratado pela CIP e recebo salário como rabino.
O sr. ganha bem? Fala-se em US$ 25 mil por mês. É verdade?
Mentira, muito mentira! (risos)
O sr. é um gastador? O que faz com seu dinheiro?
Vivo modestamente. Gasto aquilo que é necessário, não me considero um materialista. As minhas extravagâncias não são materiais. Quero proporcionar um nível de vida confortável para a minha esposa, para a minha filha. Minha esposa, Amanda, é modesta.
Ela trabalha?
Trabalha, sim. Ela é calígrafa. Faz convites de barmitzvas, casamentos e cardápios para restaurantes. Conseguiu isso com muito talento e esforço. Vivemos uma vida de classe média.
Rabino, o sr. mora num belíssimo apartamento, está vestindo um paletó Valentino, relógio e óculos elegantíssimos…
Valorizo isso. Gosto de me vestir bem, mas extravagâncias não existem. Sou vaidoso, herdei isso de minha mãe. Sou conhecido pelo nó da gravata (largo), pelo colarinho alto e pela kipá púrpura.
Como o sr. conheceu Amanda?
Na piscina de um hotel da Flórida, em 1975. Eu estava de férias. Ela estava sentada ao meu lado. A gente conversou por duas, três horas e, depois, a convidei para jantar. Ela não quis aceitar, eu insisti e ela acabou aceitando. Depois começou o relacionamento. Ela é americana também. Eu a convidei para conhecer o Brasil, ela veio algumas vezes e a gente se casou em 1976.
Como foi para ela ser flertada por um rabino?
Quando ela perguntou a minha profissão e eu disse que era rabino ela me disse “sou judia também”. Por coincidência. Eu teria conversado com ela independentemente de ela ser judia ou não (risos). Foi uma conversa natural.
Se o sr. descobrisse que ela não era judia, casaria?
Teria sido mais difícil. Primeiro porque é importante para mim constituir uma família judaica. Também porque sou rabino e devo dar o exemplo. Meu primeiro compromisso é manter a continuidade judaica.
O sr. já foi assediado por outras mulheres?
Assediado? Não. Gosto de me aproximar das pessoas, mas conheço meus limites. Considero-me um homem, um rabino disciplinado.
O sr. tem uma filha única, Alisha, de 18 anos. Como é a educação dela no que tange a assuntos como sexo e drogas?
Alisha é uma moça sensível. Ela acaba de entrar na Temple University, na Filadélfia, e vai cursar comunicação e teatro. Acho que ela tem uma educação moral sólida e a mãe tem muito a ver com isso. Alisha também conhece os seus limites. Acho que a disciplina vem de casa, da formação familiar. Felizmente, nós nunca tivemos problemas em relação às drogas.
No Brasil existem, hoje, cerca de 150 mil judeus. Sua filha tem uma vida normal, como qualquer adolescente. A possibilidade de ela conhecer, namorar e até casar com alguém não-judeu é grande. Como o sr. agiria numa situação dessa?
Ficaria muito triste. Porque a minha lealdade para com o judaísmo é número 1. Mas o meu amor para com Alisha é incondicional. Se fosse para ela ser feliz, eu aceitaria.
Como o sr. cuida do corpo e da alimentação?
Eu faço pouco esporte. Costumava jogar tênis. Tentei jogar futebol, mas não deu certo. Mas para contra-balançar assisto ao futebol na televisão. Torço pelo São Paulo.
Quais são as suas funções como rabino?
Presto atendimento pastoral, visito doentes, aconselho casais, oficio cerimônias de maioridade religiosa, celebro casamentos, oficio enterros, preparo prédicas e palestras, escrevo artigos para revistas, jornais, participo de serviços religiosos na sinagoga, de cultos ecumênicos, acompanho os jovens da nossa congregação nos campos de estudos durante as férias. Participo de reuniões e congressos no Brasil, no exterior, organizo atividades de caráter cultural, social e religiosa, dou entrevistas à imprensa e faço visitas também para angariar fundos para a nossa congregação.
Isso significa que o sr. bate na porta dos empresários e pede recursos para os projetos?
É uma rotina cansativa e estressante e menos gratificante. Isso visa sustentar a nossa congregação, garantir a continuidade do nosso trabalho. Mas o que mais me satisfaz é a parte pastoral, a parte pessoa-pessoa.
Quantas horas o sr. trabalha por dia?
Trabalho 18 horas , sem exagero. Acordo às seis da manhã, folheio quatro jornais (Folha, Estado, O Globo e Jornal do Brasil) e faço as preces à minha maneira.
Como?
Abrindo o coração, seguindo os sentimentos e nem sempre a sequência das rezas do livro. Minha vida interior a grande maioria das pessoas não conhece, mas existe uma vida espiritualizada. Procuro elevar meus pensamentos logo de manhã cedo.
E depois?
Saio às oito e vou para o meu escritório particular. Lá, faço meu trabalho criativo, tento manter a correspondência em ordem. Invariavelmente almoços, reuniões. Na parte da tarde, atendo o público na congregação. Casamentos à noite, reunião antes e depois dos casamentos. É uma vida estressante, muito cansativa.
Como o sr. dá vazão a isso? Descansa no final de semana, tira férias?
São sete dias por semana. Mas o próprio trabalho sustenta meu cansaço. Eu gosto de trabalhar, é a minha maior paixão. Raramente tiro férias. Gostava de ir à praia, mas os médicos me aconselharam a não tomar sol por causa da minha pele. Perdi minha mãe devido ao câncer de pele e isso me traumatizou muito.
Qual a sua relação com Deus?
Eu me dou bem com Deus. Espero que Ele se dê bem comigo também. Às vezes tenho problemas com Deus, assim como Ele deve ter comigo. É uma presença constante em minha vida. De vez em quando, questiono algumas coisas ligadas a Ele. Porém, se a gente questiona, é porque acredita! O judeu pode estar com Deus ou contra Deus, jamais sem Deus.
O brasileiro é preconceituoso? O sr. já foi discriminado?
O brasileiro é preconceituoso, assim como a maioria da população mundial. Só que aqui no Brasil o preconceito geralmente é disfarçado, mas existe, sim, principalmente o preconceito racial. Nunca sofri nenhum preconceito direto. O que dizem às minhas costas eu não sei.
O sr. se considera um gringo?
Não, eu me sinto muito integrado no Brasil. O sotaque me atrapalha, mas faz parte do meu charme.
Como o sr. se alimenta? Tem algum prato preferido?
Sigo a alimentação kasher (o que pode e o que não pode segundo as tradições judaicas). Quando saio como peixe, salada, frutas, aquilo que é permitido comer. Mas a minha comida preferida é arroz com feijão!
Como é sua vida sexual?
Normal, normal. O judaísmo permite uma vida sexual normal que santifica a outra pessoa. Um relacionamento sexual embasado no amor que visa o respeito pelo outro.
Se rabinos não pudessem transar, o sr. pensaria duas vezes antes de decidir pela escola do rabinato?
Sim. Sexo faz parte da vida e judaísmo é vida. Deus criou a mulher como companheira do Adão. O sexo, em si, também deve ser valorizado, desde que seja no contexto de um relacionamento de maturidade.
O sr. já experimentou alguma droga? Já fumou maconha?
Não, nunca, nem por curiosidade. Jamais senti necessidade de fugir da realidade. Sempre achei que enfrentando a realidade a gente pode crescer.
Como o sr. vê o homossexualismo?
O homossexual tem o direito de escolher a sua maneira de viver. O homossexualismo contraria, a meu ver, a própria anatomia dos sexos, que foi visivelmente criada para relações heterossexuais. E também na importância da família, não pode ser subestimada a continuidade das gerações, que para nós, judeus, é muito importante. Por esses motivos eu condeno o ato homossexual, mas respeito a dignidade do homossexual como filho de Deus.
O sr. já teve um encontro com Yasser Arafat. Como foi?
Encontrei-me com Arafat em Gaza, em 1994. Ele foi cativante e me convenceu que a paz em Israel era sua prioridade. Infelizmente, temos visto uma outra face de Yasser Arafat. Não a do pacifista, mas a do instigador de violência.
O sr. acredita na possibilidade de paz no Oriente Médio?
Acredito numa solução a longo prazo. Daqui a 20 anos, os problemas mais delicados serão resolvidos, como a questão dos refugiados palestinos. A curto e médio prazos, haverá uma retomada no processo de paz.
O sr. se sente mais seguro em Israel ou em São Paulo?
Não sei. Mas acho que deve haver um policiamento cada vez maior na cidade. O problema da violência é muito grave. Se não houver segurança na cidade, não pode haver paz.
Deus é brasileiro?
Deixe-me pensar… (30 segundos em silêncio). Deus é brasileiro!