FOTOS: CLAUDIO GATTI/AG. ISTOÉ

VIDA NOVA Cecília Reinaldo (acima)

 

Quando chegou em Dubai, nos Emirados Árabes, 12 anos atrás, a brasileira Márcia Santos, 51 anos, deparou-se com uma realidade bastante diferente da sua. As mulheres eram segregadas em uma sociedade comandada por homens. Rituais rotineiros para qualquer mulher ocidental, como dirigir ou administrar o próprio dinheiro, soavam lá como ofensa. "Quando fui fazer o teste para tirar a carteira de motorista, me perguntaram se meu marido sabia das minhas intenções e exigiram autorização dele por escrito", conta ela. Dona de uma fisionomia similar à das árabes, Márcia era freqüentemente abordada pela polícia local, que a questionava sobre suas roupas inapropriadas. Não que ela usasse decotes ou minissaia. Márcia só não estava de abaya, a vestimenta preta usada pelas mulheres do emirado. Para viver bem lá, ela teve de se munir de muita paciência e abrir mão de algumas conquistas já feitas, como a profissão. "Sou engenheira e naquela época era inadmissível uma mulher mandar em um homem", diz Márcia, que virou professora.

Os anos se passaram e, em 2002, o xeque al-Maktoum, líder do país, decidiu fazer de Dubai um grande pólo de turismo. A cidade que vivia praticamente do petróleo e da pesca viu o deserto se transformar em um imenso canteiro de obras. As leis foram flexibilizadas para que os estrangeiros pudessem investir na região. De uma hora para a outra, imensos arranha-céus surgiram no deserto junto com hotéis superluxuosos. Com o desenvolvimento econômico, o emirado precisou aprender a respeitar também culturas diferentes e ver com outros olhos o papel da mulher na sociedade. Foi nesse novo contexto que duas outras brasileiras, a administradora Cecília Reinaldo, 28 anos, e a publicitária Simone Amaro, 31, chegaram a Dubai.

VIDA NOVA Cecília Reinaldo (acima)

 

Cecília desembarcou no emirado há seis anos. Formada em administração, estava insatisfeita com sua vida no Rio de Janeiro. Decidiu, então, seguir os passos de sua mãe, que havia se mudado para Dubai quatro anos antes. Fez as malas e partiu para o país islâmico – mesmo sem estar disposta a usar burca e a obedecer a um homem. Lá, ela nunca foi abordada pela polícia por causa de sua roupa, e pôde trabalhar como sócia de uma empresa que comercializa imóveis. Só no ano passado vendeu US$ 700 milhões. "Tenho uma vida normal", diz ela. "Trabalho, moro sozinha, vou ao banco e visto o que quero." Mas ainda existem focos de resistência. Em reuniões com clientes árabes já ouviu que com mulher eles não negociariam. Nessas horas, diz Cecília, não há muito a fazer: "O melhor é respirar fundo, engolir o orgulho e chamar o meu sócio para continuar as transações". Na vida amorosa, o quadro é mais sombrio. Qualquer aproximação entre homem e mulher é vista com desconfiança e paquerar é um verbo que não se conjuga por lá. "Dubai é o melhor lugar para fazer dinheiro, e o pior para namorar", resume Cecília, que nunca teve um namorado lá.

Simone Amaro com a filha: choque cultural para quem chega

 

As regras que inibem qualquer aproximação entre pessoas do sexo oposto são muito rígidas. Um beijo na boca, mesmo comportado, dá cadeia. Além disso, namorar em Dubai significa driblar estatísticas. Dos 4,9 milhões de habitantes, somente 27% são mulheres. E se há alguma leitora pensando que encontrou o paraíso, é melhor ir com calma. Cerca de 3,8 milhões de pessoas são estrangeiros vindos da Índia, do Paquistão e das Filipinas, onde os costumes religiosos também são bastante arraigados. Na cidade velha, onde estão o Gold Souk ou Spyci Souk (mercado de ouro e especiarias, respectivamente), uma mulher sem a burca pode se sentir acuada diante dos olhares incisivos dos homens. Pelo menos, ela dificilmente será vitima de alguma violência. O índice de criminalidade é quase zero.

É justamente essa segurança que fez Simone Amaro superar as saudades dos pais, irmãos e sobrinhos que deixou no Brasil porque seu marido foi convidado para treinar a seleção de futebol de areia do emirado. "Tenho uma filha de quatro meses e aqui é o paraíso para criar uma criança", diz Simone, que se mudou para Dubai há um mês. Lá, não há drogas e o consumo de bebidas alcoólicas é proibido. Para ela, porém, ainda há uma jornada de adaptação. "Não tenho amigas aqui e acho que as roupas ocidentais chamam muita atenção", afirma. Tudo isso, acredita Simone, será superado facilmente. O chato, diz ela, é que no prédio onde mora, existe a piscina para mulheres e a para os homens, o que obrigará a família a ficar dividida na melhor hora do dia: a do lazer.