oram precisos mais de dez anos e seis longas reuniões para que dois mil cientistas, ambientalistas, empresários e outro batalhão de diplomatas e políticos de 178 países chegassem a um acordo sobre as providências para frear o aquecimento da Terra. Com muitas alterações no texto original, na semana passada finalmente foi aprovado o Protocolo de Kyoto, que estabelece o compromisso dos países industrializados de reduzir em 5% os níveis de gás carbônico emitidos entre os anos de 2008 e 2012. Depois de duas semanas de conversas em Bonn, na Alemanha, ainda sobram muitos temas a discutir. Em outubro, acontece em Marrakesh, no Marrocos, a última rodada de negociações antes de o protocolo virar lei e ser aprovado pelo Congresso de todas as nações signatárias, em 2002. Ainda assim, não há certeza de como o planeta vai reagir. Das conversas da semana passada, ficou de fora uma outra peça decisiva para o futuro do planeta, os Estados Unidos, maior poluidor do mundo, com um quarto das emissões de CO2.

El Niño – O tempo fechou quando o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), braço da Organização das Nações Unidas, concluiu que as alterações de temperatura, o aumento da intensidade e frequência de furacões, raios e fenômenos naturais como o El Niño nas últimas décadas são decorrentes da ação humana. O presidente americano George W. Bush desdenhou o trabalho e encomendou outro estudo à Academia Americana de Ciência. O veredicto foi idêntico: a fumaça expelida pelas chaminés e pelos carros, as queimadas e o desmatamento são responsáveis pela deterioração climática. Pelo tratado de Kyoto, os países ricos são os únicos obrigados a cumprir metas para reduzir a fumaça. Não significa que nações subdesenvolvidas estejam isentas de responsabilidade. Como as mais ricas foram as que mais poluíram até agora, nada mais justo que elas se esforçem mais do que as outras. Os EUA consideraram o corte de poluição um preço alto demais para a sociedade e a economia americanas. Alegaram que países como China, terceiro maior poluidor, depois dos países da Europa, e a Índia, que vem em sexto lugar, após Rússia e Japão, deveriam fazer parte do grupo obrigado a cortar poluentes. O verdadeiro argumento é econômico. Os EUA não querem submeter sua indústria e seus cidadãos a sacrifícios para queimar menos derivados de petróleo, enquanto chineses e indianos competem no mundo globalizado com produtos mais baratos, sem fiscalizar as chaminés das fábricas. A reação das empresas americanas não foi a esperada por Bush. A Câmara Americana de Comércio de São Paulo emitiu um documento oficial condenando a postura do presidente americano. O texto diz que os EUA poderiam dedicar ao aquecimento global apenas uma fração daquilo que destinam à corrida armamentista, o que já ajudaria.

Meia-sola – Nunca se poluiu tanto a atmosfera quanto hoje. Desde o início da Revolução Industrial, em 1760, a temperatura subiu 0,6o C e a emissao de CO2 aumentou 31%. Embora na natureza os efeitos sejam demorados, já é possível sentir na pele algumas alterações climáticas. “Os verões estão mais longos e o inverno, cada ano mais quente e mais curto”, diz o cientista Pedro Leite Dias, da Universidade de São Paulo. A natureza responde com vingança aos excessos. Do derretimento de geleiras às secas, passando pela escassez de água, o planeta mostra que cansou de esperar. Os ciclones, os tufões e as tempestades aumentaram e a estiagem está mais prolongada. Três quartos dos gases estufa são gerados pela queima de combustíveis fósseis, como gasolina, diesel, carvão e gás. Eles criam uma espécie de cobertor, impedindo que a Terra envie de volta ao espaço parte do calor recebido do sol.

O dilema afeta todos os seres humanos. Por isso, como num casamento, cada um cedeu seu quinhão para ver selado o Protocolo de Kyoto. A Europa aceitou as exigências de Japão, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Rússia para transformar as matas nativas de cada país em sumidouro ou “ralo” de carbono. É como são chamadas as florestas, por sua capacidade de absorver o CO2 da atmosfera no processo de fotossíntese. Os europeus alegam que os sumidouros servirão de desculpa para evitar os cortes. Na prática, em vez de 5%, as chaminés vão soltar apenas 2% menos CO2. “Melhor um acordo imperfeito do que nenhum acordo”, disse o ministro do Meio Ambiente da Bélgica, Olivier Deleuze. O resultado foi “meia-sola”, resumiu seu colega brasileiro, José Sarney Filho. Para o ex-ministro José Goldemberg, membro da comissão brasileira de estudos climáticos, esse é o primeiro passo em direção a uma longa marcha. “O País assumiu uma posição de vanguarda, mas toma decisões que nos colocam na contramão da história, como a construção de termelétricas que queimam gás e geram mais CO2”, critica o físico Luiz Pinguelli Rosa, da Coordenação de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

Ecodólares – Apesar das críticas, a indústria brasileira comemora. Num mercado que cobra produtos ambientalmente corretos, os empresários têm a chance de buscar financiamento para desenvolver tecnologias alternativas de energia sem ter o controle de emissão de poluentes como camisa-de-força. “Os brasileiros estão de olho no dinheiro que pode vir para reflorestamento e geração de energia limpa”, explica o engenheiro Fernando Almeida, que integrou a comitiva brasileira em Bonn como presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, entidade que reúne 400 empresas.

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Nascida de uma proposta brasileira de criar um fundo de ajuda às nações subdesenvolvidas, essa cooperação internacional foi batizada de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. E deu margem a um mercado de compra e venda de florestas para sequestrar o carbono da atmosfera. Por suas dimensões, a Floresta Amazônica tem papel fundamental nesse cenário. Ela pode tanto se transformar num imenso ralo sugador de CO2 como num dragão, que cospe poluição se pegar fogo. O desmatamento tem impacto direto sobre a temperatura e as chuvas. Quanto menos árvores, mais quente a floresta e menos chuvas no planalto brasileiro. “Se as queimadas continuarem, a Amazônia vai virar savana”, prevê Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Não derrubar nem queimar árvores é uma lição de casa que o Brasil precisa aprender, assim como investir em fontes alternativas e limpas de geração de energia. “A população terá de andar menos de carro e plantar mais árvores. A mudança climática não é modismo, veio para ficar”, diz o engenheiro agrônomo Enéas Salatti, da Fundação Brasileira de Desenvolvimento Sustentável. Até 2030, a temperatura estará 1° C mais alta, elevando também o nível do mar. Boa parte do litoral pode submergir em 100 anos. Em sua tese de doutorado, o arquiteto Enéas Salatti Filho mostrou que a praia de Lagoinha, em Ubatuba, no litoral paulista, deve desaparecer em 50 anos. Se o Protocolo de Kyoto entrar em vigor e tudo sair como o combinado, ainda há risco de o planeta ferver. Estimativas para o próximo século indicam que a temperatura subirá entre 1,5° C e 5° C. Só para refrescar a memória, quando o planeta viveu a era de gelo, ele era só 5° C mais frio do que hoje. Se nada for feito, deixaremos uma batata literalmente quente para nossos filhos e netos administrarem.

Colaboraram: Henrique Fruet, Lauriberto Braga, Liana Melo, Rodrigo Lopes e Valeria Propato

Pérola do lixo
A principal fonte geradora de metano é a decomposição de matéria orgânica. O gás aprisiona 20 vezes mais calor que o CO2 e contribui com o efeito estufa. Aterros sanitários e estações de esgoto podem tornar-se fonte de energia limpa e barata, fazendo do metano um aliado. Há 500 aterros com potencial energético no País. Bastaria instalar tubos e canaletas subterrâneas para captar o gás que alimentaria um motor de combustão acoplado ao gerador de energia. Com sete mil toneladas de lixo ao dia, o maior aterro sanitário da América Latina, na rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, terá 20 geradores e estará pronto em maio de 2003. O metano é expelido por um tipo de bactéria que vive sem oxigênio. Ele também se desprende durante a extração de carvão e petróleo ou é eliminado na queima de biomassa, como madeira e bagaço de cana. A fonte mais bizarra é o arroto dos ruminantes. O rebanho brasileiro, segundo maior depois da Índia, contribui com 15% das emissões de gás do País.

Luz do sol
Criatividade não falta. Em sua tese de mestrado, o engenheiro José Roberto Abbud Jorge mostrou as vantagens das piscinas solares – depósitos de água salgada pintados de preto. A água aquecida pelo sol fica no fundo, não evapora, chega a 80o C e é usada para aquecer a água do banho. Um reservatório do tamanho de uma piscina olímpica custa R$ 1 mil e supriria 400 residências. No Conjunto Habitacional Sapucaia, na mineira Contagem, 100 casas estão equipadas com painéis de energia solar para o chuveiro. Instalados no telhado, eles aquecem um reservatório de 200 litros d’água e garantem economia de até 70% na conta de luz. Em Betim (MG), 1.200 casas terão o sistema, ao preço de R$ 600. Em um mês, a Sunpower promete divulgar o projeto para a construção de aquecedores, que custam entre R$ 15 e R$ 140 (www.sunpower.com.br).

Assobio do vento
O Ceará ficou conhecido como a “terra da luz” por ter sido o primeiro Estado a libertar seus escravos. Agora usa o vento para levar a luz aos 30 mil habitantes de Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza. Com R$ 60 milhões, o Estado vai instalar dois parques para geração de energia eólica em Paracuru e Camocim, em 2003. Será suficiente para suprir 3% do consumo anual cearense. A turbina é acionada pelo movimento das palhetas de lâmina com formatos distintos, ajustáveis de acordo com a direção e a velocidade do vento. Na casa de máquinas fica o gerador e um sistema de frenagem.

Balanço do mar
O mar inspirou muito o poeta português Fernando Pessoa. Agora dois engenheiros lusitanos aproveitam a força da rebentação das ondas para gerar eletricidade. A experiência está em teste na Ilha do Pico, em Açores, e atende 10% dos 15 mil habitantes. Orçado em R$ 15 milhões, é o primeiro projeto científico de energia renovável bancado pela Comunidade Européia. De passagem pelo Rio, a dupla lusitana Maria Teresa Pontes e Antonio Falcão firmou intercâmbio científico com a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Há quem considere que a tecnologia de aproveitamento das ondas ainda seja cara, mas os brasileiros dizem que não custa tentar. Japão, Suécia e Grã-Bretanha já são adeptos das ondas.


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