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Queda da criminalidade, investimentos e, agora, também com o morador Bill Clinton

Em 1989, uma multidão de residentes do Harlem, o famoso bairro negro de Nova York, tomou a área em frente ao C. A. V. Building na rua 125, perto da Lenox Avenue. Protestavam contra a ausência de estabelecimentos comerciais e empregos na região. Na ocasião, não havia um único supermercado neste que é considerado o maior bairro de Manhattan. Cerca de 65% das propriedades no chamado Harlem Central — um retângulo urbano entre as ruas 110 e 155 e as avenidas St. Nicholas e Quinta — estavam nas mãos do governo municipal, que tomara imóveis por abandono ou falta de pagamento de impostos. No mês passado, 11 anos depois, manifestantes voltaram ao mesmo ponto da rua 125, desta vez para gritar contra a explosão comercial que está atraindo gente de fora da comunidade. Pediam, por exemplo, o boicote de estabelecimentos como o hipermercado Pathmark – o primeiro a abrir as portas naquela freguesia em 30 anos. Estes dois momentos antagônicos são exemplares da história de uma das mais carismáticas e famosas zonas metropolitanas do mundo. Os protestos, paradoxalmente, também têm as mesmas raízes – plantadas com firmeza no terreno da política econômica, cultural e racial de Nova York. O Harlem, abandonado durante grande parte do século XX, virou objeto de cobiça e moda neste início de milênio.

Desde 1994 até o ano 2005 terão sido investidos mais de um bilhão de dólares no Harlem. Trata-se do projeto de revitalização de uma das zonas mais pobres da cidade. “Nenhuma outra área metropolitana apresenta as vantagens do Harlem”, avalia Terry Lane, um corretor da Bolsa de Valores que mudou para a região há seis anos e hoje é o presidente da Upper Manhattan Empowerment Zone – uma corporação de desenvolvimento criada pelo governo em meados dos anos 90. “O metro quadrado em Midtwon (o centro de Manhattan) está na casa dos US$ 180. No Harlem, a mesma medida sai por US$ 120. As grandes corporações finalmente acordaram para as possibilidades locais e estão disputando aos tapas os imóveis que ainda restam lá”, diz Lane, que é um branco criado num subúrbio rico. E não são apenas as megaempresas que invadiram o território. O ex-presidente Bill Clinton, agora transformado num cidadão nova-iorquino, montou seu escritório no bairro. “Todo mundo por aqui vibrou. Imagine um ex-presidente mudando para um lugar que até dez anos atrás era considerado submundo e estava totalmente abandonado pelo establishment”, diz o deputado democrata Charles Rangel. O prédio que Clinton conquistou é chamado hoje em dia apenas de 55West 125th, mas em 1973 fora batizado de C. A. V. Building. O mesmo que serviu de ponto de referência para os protestos de 1989.

Renascimento é uma palavra que persiste no vocabulário do bairro. Nos anos 20, o Harlem se transformou no lugar mais quente da cidade. Escritores e intelectuais negros como Countee Cullen e Zora Hurston – dois novelistas de respeito na ocasião – promoviam saraus literários e convidavam seus colegas brancos de outras áreas a subir a Quinta Avenida até o carismático bairro negro. Os artistas serviram de pelotão de frente de uma armada branca em busca de exotismo e sangue novo na vida boêmia. Eles seriam seguidos pela classe média doidivanas imortalizada, por exemplo, nas obras do escritor F. Scott Fitzgerald. Era a juventude transviada dos loucos anos 20. O jazz ganhava aceitação popular e casas noturnas, como o famoso Cotton Club ou o Renaissance Ballroom e o Lenox Lounge, ficavam abarrotadas de empresários, profissionais liberais, gângsteres e starlets. “Foi o primeiro renascimento do Harlem. Mas esta ressurreição seria apenas cultural. Só bandidos investiam no Harlem”, diz David Levering, autor do livro When Harlem was in Vogue. E mesmo esse dúbio momento de glória seria efêmero: a quebra da Bolsa de Valores em 1929 jogou o país na recessão, a cidade na falência e o Harlem na indigência.