Garotinho acusa o presidente de usar a Receita Federal contra ele por temer o crescimento de sua candidatura e diz que já ganhou a eleição

Anthonny William Matheus de Oliveira era um garoto obstinado. Aos 12 anos ganhou a eleição para o Grêmio Estudantil Nilo Peçanha do Liceu de Humanidades de Campos (RJ), disputando com meninos mais velhos de 16 e 17 anos. No discurso de posse, o petiz afirmou que ali começava uma carreira que iria até o Palácio do Planalto: “Vou ser prefeito, governador e presidente da República.” Uma parte da caminhada já foi alcançada. Prefeito duas vezes e governador do Rio de Janeiro aos 38 anos, Anthonny Garotinho continua com a mesma fé da infância. “Já ganhei a eleição”, deixa escapar um ano e três meses antes de os votos serem contados. Cercado de denúncias, sem perspectivas de alianças eleitorais – o que deve restringir sua candidatura ao pequeno PSB – e à frente de um projeto inédito, no qual mistura política com a religião evangélica, Garotinho já escolheu os adversários para a pré-campanha. “Fernando Henrique faz chantagem”, acusa, ao dizer que a Receita Federal está por trás da quebra de sigilo dele, de sua mulher, Rosinha, e da sua empresa no caso da acusação de sonegação fiscal. “Ciro Gomes é o pai do desemprego,” ataca, ao lembrar que o ministro da Fazenda de Itamar Franco foi responsável pela abertura econômica que “acabou com a empresa nacional”. Disposição para campanha ele tem. Dedica boa parte de seu dia a entrevistas para rádios de todo o Brasil, nas quais, além de falar dos projetos que tem adotado no Rio, planta as sementes de uma candidatura que propõe “um choque de crédito”. Durante a entrevista à ISTOÉ pediu licença para conversar com Eli Corrêa, comunicador da Rádio América de São Paulo. Bom de papo, Garotinho desfila seus planos dirigindo-se diretamente às donas-de- casa, atualizando a lição de seus tempos de radialista. As soluções para o País crescer também estão na ponta da língua. Muitos números. Pudera, nas horas vagas, o governador está tendo aulas de economia com os professores Carlos Lessa e Luciano Coutinho.

ISTOÉ

De onde o sr. tirou a informação de que o governo federal pagou R$ 1 milhão pelas fitas com gravações de suas conversas?

Anthonny Garotinho

 Eu não disse que o governo pagou. Eu disse que essas fitas foram oferecidas no mercado por R$ 1 milhão na época de minha eleição para o governo do Estado. Essa informação foi publicada na coluna de Ricardo Boechat (então no jornal O Globo). Supunha-se à época que Cesar Maia (prefeito do Rio) as tenha adquirido porque usou uma dessas fitas num programa de debates na CBN, em que ele me acusava de comprar uma rádio. E foi desmentido no ato pelo Ary de Carvalho, que disse que eu estava falando em nome dele, porque naquele momento eu trabalhava na implantação da FM O Dia. O que eu disse eu repito: O governo federal está utilizando a Receita Federal para fazer política. Isso é inadmissível.

ISTOÉ

Mas o sr. acusou o governo de deixar vazar o conteúdo das fitas para a imprensa.

Anthonny Garotinho

 O governo, se não está por trás, tem de provar. Tem de abrir um inquérito na Receita para saber quem vazou, quem quebrou o sigilo fiscal da dona Rosinha, o meu e o da Garotinho Editora Gráfica Ltda. Desarquivaram um processo de 1995 para fazer toda essa onda de calúnias. Agora eu quero dizer que se houve essa diferença que eles estão dizendo, e pode ter havido porque era o contador que cuidava disso, eu faço questão de pagar porque o problema não é fiscal, é moral e político.

ISTOÉ

O sr. disse que não se lembrava de ter se referido às tais “500 pratas”, que seriam oferecidas ao fiscal da Receita para abafar o caso. Já se lembrou?

Anthonny Garotinho

Não, mas vou afirmar: não houve suborno a ninguém, nem tentativa. Não autorizei ninguém a subornar fiscal da Receita. O lamentável é que o sr. Fernando Henrique Cardoso permita que a Receita Federal esteja servindo de instrumento político. Seria o mesmo que eu aqui chamasse meu secretário de Fazenda e dissesse: “Sabe fulano, beltrano e sicrano? São meus adversários políticos. Bote os fiscais da Receita estadual dentro da empresa e vamos descobrir um débito de ICMS deles de qualquer jeito porque precisamos incriminá-los. Enquanto isso, abasteça a imprensa de informações para eles ficarem acuados”. Isto em política se chama chantagem. E é o que está sendo feito.

ISTOÉ

O sr. acha que há uma articulação passando pelo Planalto e pelo prefeito Cesar Maia, agora que o sr. cresce nas pesquisas?

Anthonny Garotinho

Coincidentemente, isso se deu quando saiu a pesquisa do Datafolha dizendo que sou o governador mais bem avaliado do País. E a pesquisa do Ibope dizendo que eu estava tecnicamente embolado com Itamar Franco e Ciro Gomes em segundo lugar. Tivemos acesso à pesquisa do MCI, que saiu publicada no Informe JB, em que eu estaria em segundo lugar, à frente de Itamar e Ciro, com 14,5%, pesquisa à qual o Fernando Henrique teve acesso. Essa articulação é clara porque eles não têm onde me atacar, sabem que eu tenho uma família limpa. Sou casado, tenho nove filhos, sendo cinco adotivos. Sou religioso, professor de escola dominical de minha igreja. Sabem que o meu patrimônio é totalmente compatível com minha renda.

ISTOÉ

Por que o sr. acha que o Planalto está tão preocupado com a sua candidatura, se quem lidera as pesquisas é o PT?

Anthonny Garotinho

 O Planalto já identificou o seguinte: Lula está no segundo turno e querem pôr o candidato deles para ganhar do Lula, que tem suas debilidades, por não ter administrado, por ter perdido três vezes. Mas que argumento eles usariam no segundo turno contra mim? Eu fui prefeito, saí da cidade com 96% de aprovação. Hoje sou o governador mais bem avaliado do País. O governo fará tudo para tentar impedir minha candidatura. O medo deles é que eu cresça e seja o segundo, tirando a vaga deles.

ISTOÉ

O Planalto estaria temendo que o sr. herde os votos dos órfãos de FHC, como setores do empresariado que não gostam de Itamar ou Ciro?

Anthonny Garotinho

 O que está claro hoje é que o governo FHC ficou em uma encruzilhada. Está tão mal que não consegue arranjar um candidato. No cenário a ser montado pelo Planalto há um personagem fora do controle do governo, que é Anthonny Garotinho. Sou o único que tem se colocado frontalmente contrário aos maiores aliados desse governo, que são os banqueiros. O único que tem peito e discurso forte contra a predominância dos banqueiros na economia brasileira. Vou fazer um choque de prosperidade para acabar com o monopólio do sistema financeiro.

ISTOÉ

Suas propostas são vistas como inflacionárias. O sr. acha possível mudar o Plano Real para jogar o País num modelo desenvolvimentista?

Anthonny Garotinho

 É uma mentira associar desenvolvimento com inflação. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. O Brasil precisa de um choque de crédito. Se você for olhar outros países, o PIB do Brasil, de R$ 1 trilhão, oferece um crédito de apenas 30%, quando a média do mundo é de 60%. Países como Estados Unidos, Japão, Alemanha vão a mais de 100% do PIB em créditos oferecidos ao setor produtivo. O ministro Pedro Malan fala o tempo todo que os fundamentos da economia brasileira são sólidos. Que solidez é essa? O País tem uma dívida interna que multiplicou por dez, déficit na balança comercial, déficit no balanço de pagamentos, precisa cada vez mais de taxas de juros altas para não ter fuga de dólares. Ele vive repetindo para ver se convence que o País vai bem. O País vai muito mal. A única coisa que existe de concreto é o controle mascarado de uma inflação, porque qualquer cidadão sabe muito bem que a inflação real do Brasil não é essa que é divulgada aí.

ISTOÉ

Como investir tanto pagando os juros da dívida?

Anthonny Garotinho

 É só diminuir o compulsório dos bancos. A média desse compulsório no mundo é de 20%. No Brasil, é 53%. O dinheiro fica todo parado nos bancos. Isso é um absurdo, não tem cabimento. As metas que eu estabeleci são: 4% de inflação ao ano, 4% de juros reais, crescimento de 7% ao ano, superávit na balança comercial no primeiro ano de US$ 6 bilhões, no segundo de US$ 12 bi, no terceiro de US$ 18 bi. Isso aí vai gerar recursos para honrar todos os compromissos e começar a resgatar a imensa dívida social que o País tem.

ISTOÉ

O sr. fala em números incrivelmente otimistas com uma facilidade enorme. Não teme que a população veja isso como discurso de campanha?

Anthonny Garotinho

 Claro que isso é possível. Não estou sendo assessorado por gente que é despreparada. As pessoas que trabalham comigo são o professor Luciano Coutinho, o professor Carlos Lessa e o doutor Mário Tinoco, que foi secretário de Fazenda de Cristovam Buarque. Já temos um programa sendo elaborado.

ISTOÉ

Muitos comparam sua candidatura à de Collor, que chegou em 1989 correndo por fora e atacando o governo federal.

Anthonny Garotinho

 Sou o anti-Collor. Somos totalmente diferentes nas origens e nas práticas. Ele era de direita e eu fui a vida toda de esquerda. Fui fundador do PT, fiquei 18 anos no PDT e agora estou no PSB. Collor era filhinho de papai. Eu comecei a trabalhar com 15 anos, quando meu pai morreu. Nunca herdei prestígio político de nenhum parente, construí minha vida.

ISTOÉ

O sr. foi eleito por partido de esquerda, mas governa aliado com a direita. Repetiria essa prática na Presidência?

Anthonny Garotinho

 A base oficial de sustentação do meu governo é PCdoB, PSB, PV e PMDB. O PMDB do Rio tem setores de centro e de esquerda. Aliados circunstanciais, de um ou outro líder de direita, existem em qualquer lugar do mundo.

ISTOÉ

O sr. já resolveu o dilema de deixar o governo nas mãos da vice Benedita da Silva, do PT?

Anthonny Garotinho

 Eu não tenho dilema. Sou candidato a presidente e vou ganhar a eleição. Benedita é herdeira natural, mas ela tem me dito que prefere disputar o Senado.

ISTOÉ

O cheque-cidadão, um de seus principais programas, é muito criticado por ser distribuído quase que exclusivamente por igrejas evangélicas?

Anthonny Garotinho

 Não são só os evangélicos. É meio a meio. Metade está com outras igrejas, a Católica, os espíritas, etc. Fico feliz quando vejo o Lula dizer que vai lançar o cheque-fome, depois de o PT criticar tanto o cheque-cidadão. Aqui 43 mil famílias recebem R$ 100 para comprar comida.

ISTOÉ

Nas inaugurações de obras o sr. é recebido aos gritos de “glória a Deus” e “amém”. É uma novidade no Brasil um candidato conciliando religião e política.

Anthonny Garotinho

 Não serei presidente dos evangélicos. Vou governar para todos. O meu secretário de Fazenda, Fernando Lopes, é marxista, ateu. O do Gabinete Civil e o de Administração são católicos. O presidente do DER é espírita. Eu vou governar com princípios cristãos. Fiquem absolutamente tranquilos. O Estado brasileiro continuará laico, mas o presidente será cristão. Tenho o direito de ser e vou respeitar a todos.

ISTOÉ

Como o sr. define o perfil ideológico da equipe que elabora seu programa? 

Anthonny Garotinho

 Eu classifico como patriota. Vamos acabar com essa hipocrisia de dizer que o Brasil é um país aberto. Tem de ter proteção para suas empresas como todos os outros. Não pode entregar os empresários brasileiros às feras. O que o Ciro fez foi uma covardia com os empresários e trabalhadores. No momento em que ele tirou todas as alíquotas de importação, baixando tudo de uma vez, sem dar às empresas acesso ao mesmo crédito que as concorrentes tinham no Exterior, ele quebrou milhares de empresas. Milhares de trabalhadores de fábricas de calçados, de confecções, de pequenas metalúrgicas quebraram. Por isso digo que Ciro Gomes é o pai do desemprego. Não há dúvida de que o País precisava se abrir, mas tinha de ter planejamento, e não ser feito daquela forma irresponsável como foi.

ISTOÉ

O sr. diz que Ciro Gomes é o pai do desemprego, mas ele era apenas ministro. O presidente era Itamar…

Anthonny Garotinho

 Eu diria que Itamar é o tio, o tio mais velho do desemprego.

ISTOÉ

O que o sr. tem contra a candidatura de Itamar Franco?

Anthonny Garotinho

Eu acredito nas boas intenções do Itamar, mas seu discurso é contraditório. Ele diz que é contra as privatizações, mas veio aqui no Rio e vendeu a Companhia Siderúrgica Nacional.

ISTOÉ

O sr. não venderia a CSN? O que o sr. não privatizaria?

Anthonny Garotinho

 A CSN eu não venderia de jeito nenhum. O que está privatizado nós vamos discutir, mas em tese desprivatizar é mais caro. Agora, privatizar, daqui para a frente, tem de ter critérios.

ISTOÉ

O sr. descarta o apoio do PDT, após sua briga com Brizola?

Anthonny Garotinho

Eu acho que o Itamar vai sair do PMDB e vai ser candidato pelo PDT. É a tábua de salvação. O PDT está no fundo do poço, praticamente acabou no Brasil. Não acredito que o PMDB lance Itamar. O governo federal tem o controle do PMDB.