Em 1949, os ditadores Josef Stálin e Mao Tsé-tung assinaram um tratado de cooperação e amizade entre URSS e China que chegou a pairar como uma grave ameaça sobre os países ocidentais, já que unia econômica e militarmente as duas potências comunistas de então. Mas o pacto não resistiu às divergências políticas e ideológicas dos dois gigantes e acabou neutralizado, o que beneficiou o então arquiinimigo de ambos, os Estados Unidos, que souberam explorar os desacordos do bloco socialista. Mais de 50 anos depois, ironicamente, foi Tio Sam quem ajudou os ex-rivais a se reaproximarem. Assustados com a insistência de Washington em alterar o equilíbrio nuclear através da criação de um sistema de defesa antimísseis, China e Rússia resolveram ressuscitar sua aliança estratégica. No domingo 15, os presidentes da China, Jiang Zemin, e da Rússia, Vladimir Putin, entre abraços e sorrisos, assinaram em Moscou um tratado de amizade para “defender interesses comuns” e “incrementar o comércio bilateral”. Ao mesmo tempo que insistiam que o acordo simplesmente enterrava um passado recente marcado pela rivalidade e até pela guerra – chineses e soviéticos trocaram tiros na fronteira em 1969 –, os dois dirigentes garantiam que Pequim e Moscou não estavam criando uma aliança militar. Mas Jiang e Putin aproveitaram a ocasião para criticar a intenção do presidente americano George W. Bush de ressuscitar o programa Guerra nas Estrelas – sistema de defesa antimísseis – e reafirmaram seu total apoio ao Tratado de Mísseis Antibalísticos (ABM), assinado em 1972, que proíbe a proliferação desse tipo de defesa. Um dia antes, os EUA tinham realizado com sucesso um teste de interceptação de mísseis sobre o Pacífico. China e Rússia temem que o Guerra nas Estrelas acabe empurrando os dois países para uma custosa corrida armamentista que nenhum deles tem condições de bancar. “Nós acreditamos que uma cooperação ativa entre nossos países para discutir os sistemas de defesa antimísseis e o desarmamento irá aumentar nossos esforços na construção de um mundo multipolar e no estabelecimento de ordem internacional justa e racional”, diz o comunicado conjunto. O presidente russo negou na quarta-feira 18 que os dois países estejam se preparando para uma possível reação ao Guerra nas Estrelas, mas na prática o tratado é a primeira resposta estratégica de russos e chineses ao desafio americano como única superpotência mundial, depois da implosão da URSS e do bloco soviético.

Nos últimos anos, à medida que a hegemonia americana se tornava cada vez mais explícita, Rússia e China começaram a pôr de lado suas rivalidades históricas e a forjar uma aliança tática em vários assuntos internacionais quando os países ocidentais pareciam ameaçar seus interesses. Moscou e Pequim se uniram, por exemplo, na crítica à intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar ocidental nos Bálcãs. Aos olhos deles, esse tipo de ação poderia servir como precedente para operações internacionais no Tibete, ocupado pela China desde 1950, ou na Chechênia, onde o Exército da Rússia aterroriza civis para reprimir uma revolta separatista. Pequim e Moscou também trabalharam juntos na ONU para acabar com as sanções econômicas contra o Iraque, onde ambos têm interesses econômicos. Além disso, os dois países vendem armas e tecnologia nuclear para o Irã, acusado pelo Ocidente de apoiar o terrorismo. A Rússia também é o maior fornecedor de armamento moderno à China.

Segundo o jornal britânico The Independent, a China tem apenas cerca de 20 mísseis nucleares intercontinentais (acima de 5.000 quilômetros de alcance) com capacidade de atingir todo o território americano, e outros 20 capazes de atingir a parte ocidental dos EUA. Estes mísseis estão baseados em silos e o combustível sólido que os alimenta está estocado separadamente, o que impede um acionamento rápido desse arsenal. Assim, se os EUA instalarem a defesa antimísseis como previsto, o sistema de dissuasão chinês perderia toda a credibilidade. Já a Rússia possui um arsenal muito maior do que o chinês, mas envelhecido. E a quantidade de mísseis que se tornam obsoletos aumenta numa velocidade maior do que o país tem de substituí-los. Além disso, Moscou tem 26 submarinos nucleares com mísseis balísticos, mas só dois operacionais.

Mesmo assim, um projeto como Guerra nas Estrelas dificilmente conseguiria defender os EUA de um maciço ataque nuclear russo. Como disse o presidente Vladimir Putin, alguns mísseis podem ser destruídos, mas outros atingiriam os alvos. Putin também diz que os “Estados-párias”, a quem, segundo Washington, o projeto Guerra nas Estrelas se destinaria – países com potencial capacidade nuclear e disposição antiamericana como Iraque, Irã e Coréia do Norte –, não representam ameaça militar digna de crédito a Washington. Assim, segundo Putin, os alvos seriam mesmo China e Rússia. Até agora, a insistência de Bush e de seu secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, no projeto Guerra nas Estrelas conseguiu a proeza de reaproximar o maior e o mais populoso dos países do mundo.