Durou pouco o otimismo argentino. Cerca de 24 horas, mais precisamente, vividas no início da semana passada, quando o governo De la Rúa conseguiu convencer os governadores da oposição a adotar o corte linear de todos os gastos públicos em 13%, incluindo salários, aposentadorias e pensões. O recado do governo foi o seguinte: o setor público está sem crédito com os banqueiros locais e estrangeiros e, portanto, gastará apenas o que arrecadar. Assim terá condição de continuar pagando em dia sua dívida externa. Os investidores, mais preocupados com a possibilidade de calote, respiraram aliviados diante da costura política. O mercado financeiro reagiu com otimismo, com alta na Bolsa de Valores de Buenos Aires e queda do dólar no Brasil. O acordo, entretanto, logo deu sinais de fragilidade. O primeiro banho de água fria veio da Justiça de Buenos Aires, a província mais importante do país, que julgou a redução dos salários e aposentadorias inconstitucional. O governador Ruckauf terá de passar pelo Legislativo para tentar aprová-la – e muitos deputados já demonstraram que não estão dispostos a arcar com a decisão.

Mas a reação da sociedade argentina ao último “pacotaço” não ficou restrita aos tribunais. Nas principais cidades, a greve geral convocada pelas centrais sindicais para a quinta-feira 19, a sexta desde que De la Rúa assumiu em dezembro de 1999, reuniu milhares de manifestantes, paralisou o transporte público, bancos e parte do comércio. Os protestos, por sua vez, minaram ainda mais o tal acordo fechado pelas lideranças. O ex-presidente Raúl Alfonsín, do partido de De la Rúa e candidato a uma vaga no Senado nas eleições marcadas para outubro, havia dado um apoio tímido às medidas. No meio da semana, recuou e voltou a falar que é necessário buscar alternativas. Alguns governadores, mesmo da base governista, também mudaram o discurso. O da pequena Província de Entre Ríos, da chamada Alianza, a frente de partidos que apóia De la Rúa, disse que não cortaria os gastos porque o governo federal não acenava com contrapartidas.

Risco – Aos poucos, começou a ficar claro que o apoio declarado aos cortes era mais de fachada. A reação do mercado financeiro, como não poderia deixar de ser, veio em seguida. O chamado risco-país, o índice que acompanha a (des)confiança na economia argentina, bateu sucessivos recordes e chegou a 1.600 pontos no mesmo dia da greve geral. Em termos financeiros, significa que o país conseguiria, em tese, tomar dinheiro emprestado no Exterior apenas se topasse pagar 16% acima das taxas americanas, ou seja, cerca de 20% ao ano em dólar. Como o país está em recessão há três anos, uma taxa dessas, na prática, é inviável, quebraria a economia. A Bolsa de Buenos Aires voltou a cair. A cotação do dólar no mercado brasileiro voltou a subir – e só ficou na faixa de R$ 2,50 com a venda de dólares do Banco Central.

No mesmo dia em que acontecia a greve, um novo indicador demonstrava que a dívida social pode não ser prioridade dos investidores, mas está longe de ser equacionada. O índice de desemprego, que andava em 14,7%, de acordo com levantamento de outubro do ano passado, bateu 16,4% em maio deste ano, atingindo cerca de 2 milhões de pessoas. Já o porcentual de argentinos subempregados chegou a 14,9%. Somando-se os dois indicadores, chega-se a um total de 4 milhões de argentinos desempregados ou vivendo de subemprego, num universo de 12 milhões de pessoas da chamada População Economicamente Ativa. Nas regiões mais pobres do país, principalmente no norte, o desemprego é ainda pior e supera os 20%. Por essas e outras, a popularidade do ministro Cavallo foi ao fundo. No casamento de sua filha, para escapar dos protestos, teve de sair pelo cemitério, que fica ao lado da igreja.

Dólar – Além de continuar a “irrigar” o mercado financeiro com moeda americana, o governo brasileiro também demonstrou estar disposto a apertar a política monetária. De um lado, anunciou na quarta-feira 18 um novo aumento dos juros, cuja taxa básica na economia passou de 18,25% para 19% ao ano. Desde janeiro, essa taxa, que serve de referência para as demais, incluindo cheque especial e crediários, subiu cinco pontos porcentuais. Mas juros elevados e venda de dólares não é tudo. O arsenal do governo para enfrentar a turbulência, conforme reconheceu o porta-voz da Presidência da República, poderá incluir cortes nos gastos públicos. O governo acenou ainda com a possibilidade de renovar o acordo fechado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que expira em dezembro. Deverá ser mantido, no entanto, apenas em último caso, dizem os analistas, já que certamente serviria de combustível para a
oposição.