Quando fui morar em São Paulo, eu nada entendia. Demorei um ano para montar um mapa mental das áreas em que circulava, perdido no trânsito e no concreto sem pontos de orientação, muito diferente do Rio de Janeiro, onde as montanhas e o mar balizam os caminhos. Minha primeira impressão foi a pior possível. O que importam a prosperidade, o dinamismo e a efervescência quando se vive numa cidade tão feia? Eu não sabia que a beleza de São Paulo é invisível.

À primeira vista não se percebe. No Rio, você ia à padaria, pedia um litro de leite e o português, atrás do balcão, enfiava a mão na geladeira e saía com um saco plástico de leite da CCPL, pingando. Aí, pegava o papel de embrulhar pão, fazia um pacote e atava com um barbante. O papel colava no saco úmido. Você ia para casa carregando aquela coisa pegajosa pelo cordão. Em São Paulo, enfiavam o saco de leite num saco plástico. Pronto. Na banca de revista, punham o jornal em saco plástico para você não sujar a mão de tinta.
De todas as diferenças, o clima é a mais sensível.

São Paulo está a 760 metros de altitude, a altura de Teresópolis. Por causa do frio, as pessoas se cobrem de casacos e suéteres. Nos correios e nos cinemas, as filas são mais distintas. Até o trânsito é mais civilizado. Nos cruzamentos, as pessoas paravam e eu passava sempre primeiro, como bom bárbaro. Nos engarrafamentos, a manada de automóveis, resignada, espera sem buzinar, algo impensável no Rio. Em São Paulo, os motoristas de táxi são donos dos carros; no Rio, são empregados da frota. Adivinhe onde o troco volta integralmente e você tem menos chance de se aborrecer.

São Paulo é plutocrática. Tudo gira em função de dinheiro. Há mais empregos, os salários são mais altos e todos cobram pesado uns dos outros. Eletricistas, encanadores, chaveiros, táxis, todos os serviços são mais caros – mas mais profissionais. É preciso dinheiro para ter um bom apartamento, dinheiro para entrar como sócio num clube, dinheiro para ter casa de praia ou sítio (para fugir da cidade) e dinheiro para comprar um bom assento num show. Sem contar que é preciso se adiantar e andar rápido, porque há milhares iguais a você lotando todos os lugares.

O Rio é uma cidade para fora. São Paulo é para dentro. Os cariocas vão à praia, andam no calçadão e correm na Estrada das Paineiras. Os paulistas frequentam as casas, recebem amigos e dão jantares. No Rio, as pessoas exibem as formas e volumes na praia, democraticamente pelados, durante a vida inteira. Dá para acompanhar a evolução da humanidade. Talvez por isso os cariocas sejam mais informais (e folgados). Na capa de “Cinema Transcendental”, Caetano Veloso registrou uma clássica atitude do Rio: espairecer com os cotovelos enterrados na areia, de frente para o mar, de costas para a confusão, a decadência e os arrastões. Em São Paulo, conheço apenas a Praça do Pôr do Sol. A cidade da garoa não dá refresco.

Bobagens à parte, todos sabem que os cariocas têm inveja dos paulistas e os paulistas, inveja dos cariocas. Por isso a Ponte Aérea é a melhor coisa do Brasil – desculpem aí, Salvador, Porto Alegre e Belém. A diferença irrefutável é que o calor do Rio é insuportável e o clima de São Paulo, agradável. Mas entre as virtudes invisíveis da cidadania e a beleza exuberante, prefiro a aparência jubilante da forma. É verdade que a existência de Florianópolis complica a teoria.

Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta