Candidatos aos postos de segurança ou vigilante são submetidos a uma série de exames psicotécnicos para comprovar que têm condições físicas e mentais para manusear uma arma de fogo. Não se trata de um processo seletivo comum. Esses testes foram desenvolvidos para apontar características como tendência à depressão, agressividade e equilíbrio emocional. No entanto, nos últimos meses, dois casos envolvendo seguranças que possuíam autorização da Polícia Federal para porte de armas ganharam visibilidade nacional pela crueldade dos seus crimes. Recentemente, em Mogi das Cruzes, São Paulo, o vigilante Jonathan Lopes de Santana, de 23 anos, foi preso depois de confessar ter cometido seis homicídios, com requintes de crueldade: ele decapitou suas vítimas. Outro caso que chocou os moradores de Goiânia foi o do segurança particular Thiago Henrique Gomes da Rocha, 26 anos, que admitiu ter assassinado 39 pessoas, entre mulheres e moradores de rua. Coincidentemente, ambos foram considerados aptos para o manuseio de armas, o que significa dizer que em seus laudos psicológicos constavam características como maturidade, prudência e controle. O que poderia então ter ocorrido para a obtenção de resultados tão distintos da realidade?

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PERIGO
Thiago Rocha, o serial killer de Goiânia, que matou 39 pessoas:
passou pelo exame de porte de arma da PF sem nenhuma restrição

Um dos fatores que explicam a discrepância, segundo a psicóloga Maria Cristina Pellini, do Laboratório Interdepartamental de Testes Psicológicos da Universidade de São Paulo (USP), é que somente em setembro deste ano passou a vigorar uma nova legislação que amplia o número de testes a serem aplicados nos interessados aos postos de segurança. A lei obriga, ainda, os psicólogos a se credenciarem na Polícia Federal para poder aplicar os exames psicotécnicos e de sanidade. “A arma se torna um objeto de poder, por isso o psicólogo não pode ter dúvidas na hora de concluir o laudo”, afirma Maria Cristina. Antes da nova lei, apenas um teste era aplicado aos candidatos. Hoje, são realizados cinco exames diferentes e uma entrevista pessoal. À época que foram avaliados, os vigilantes Santana e Rocha não tiveram nenhum desvio de conduta diagnosticado. Porém, ambos passaram pelos exames antes de a lei entrar em vigor. Em depoimento à polícia, o serial killer de Goiânia chegou a afirmar que havia sido abusado sexualmente por vizinhos. Santana, de Mogi, disse à polícia que ouvia vozes que o incentivavam a matar.

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PERIGO
O segurança Jonathan Santana decapitou seis pessoas em
Mogi das Cruzes (SP). Em seu teste constavam características
como maturidade e prudência

Ao concluir o curso de formação, o vigilante precisa passar por reciclagem a cada dois anos e por novos testes psicológicos a cada ano. Nesse percurso, muitos fatores podem interferir na qualidade dos exames. “Alguns psicólogos podem aplicar os testes com menor período de tempo ou sem corrigir corretamente”, diz Maria Francisca Romanó, diretora da escola de Cursos Profissionais de Segurança, em Curitiba. Outro problema, segundo ela, refere-se à fiscalização realizada pela Polícia Federal. “É um efetivo pequeno e, muitas vezes, a escola que comete alguma irregularidade demora a ser autuada”, diz. Dados da Polícia Federal mostram, porém, que, nos últimos 12 meses, 222 sanções foram aplicadas às escolas de formação. Do outro lado estão as empresas de segurança privada que se queixam de alguns aspectos da nova legislação. A principal reclamação seria a de que, com mais rigidez e um maior nível de complexidade, menos profissionais de segurança chegariam ao mercado. “Não é simples saber se a pessoa possui algum indício de transtorno. Em muitos casos, ela pode desencadear desvios já no posto de trabalho”, afirma Keli Cristina Mota dos Santos, psicóloga que presta serviço à EmForVigil, empresa pela qual se formou Jonathan Santana. “Seriam necessários testes mais elaborados e mais caros, um investimento que dificilmente as empresas de segurança estariam dispostas a pagar.”

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Fotos: Alan Marques/Folhapress; Vanusa Tochi/Sigmapress/Folhapress