Fotos: Paulo De Blasis/Museu de Arqueologia e Etnologia da USP
Estruturas erguidas com restos de moluscos…

Aos poucos, o Brasil se dá conta de que sua história começou muito antes de 1500. Um povo pouco conhecido dos arqueólogos descobriu o litoral pelo menos cinco mil anos antes de Pedro Álvares Cabral. Seu maior legado são os sambaquis, monumentos feitos de conchas cuja grandeza e finalidade — enterrar os mortos — lembram as pirâmides egípcias. Os enormes amontoados de cascas de moluscos e ossos de animais marinhos desafiam a imaginação dos cientistas há mais de 100 anos, mas só na última década começaram a fornecer indícios de como viviam os primeiros habitantes do litoral brasileiro.

Há atualmente mais de 900 sambaquis na faixa que vai do Amapá até o Rio Grande do Sul, com exceção dos Estados do Nordeste. Os mais antigos têm cerca de cinco mil anos, mas a prática de amontoar restos de moluscos pode ter começado há nove mil anos. “Os sambaquis mais antigos foram destruídos pela alteração no nível do mar”, afirma Paulo De Blasis, arqueólogo da Universidade de São Paulo e uma das autoridades no assunto. O recuo do mar explica por que alguns exemplares são encontrados até 90 quilômetros distante da costa.

… serviam de tumba e moradia

A exposição Brasil 50 mil anos, que vai de abril a julho no prédio do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, e depois segue para Porto Alegre e São Paulo, exibirá uma réplica cenográfica do sambaqui, que significa amontoado de conchas em tupi-guarani. Organizada pelo Museu de Arqueologia da USP, a mostra cobre um período de 12 mil anos da história pré-colonial brasileira (os 50 mil anos do título são uma paródia dos 500 anos do Descobrimento).

A réplica de cinco metros será apenas um tira-gosto do que foram esses monumentos. Há exemplares em Santa Catarina com 22 metros de altura e 600 metros de comprimento – alguns chegam a 80 metros de altura. A destruição da maioria dos sambaquis visa ao aproveitamento das conchas na construção civil. Elas ajudam a conservar material orgânico enterrado, o que explica o achado de milhares de restos mortais. Em apenas um sambaqui, na cidade de Jaguaruna, em Santa Catarina, foram identificadas 43 mil ossadas humanas.

As escavações demonstraram que os nativos viviam basicamente da pesca e moravam em cabanas circulares feitas de madeira e palha erguidas sobre os montes de conchas. Estudiosos dos hábitos de vida desse povo supõem que os nativos dominavam a navegação, uma vez que usavam ossos de tubarão e baleia nas construções. Os utensílios esculpidos em osso e pedra sugerem que os construtores dos sambaquis usavam fibras naturais para tecer, manuseavam artefatos de madeira, produziam redes de pesca e anzóis. Os mortos eram enterrados em posição fetal junto de seus adornos – colares, lâminas de machado e zoolitos, esculturas de pedra polida em forma de animais como peixes e golfinhos.

O fim desse povo é cercado de mistérios. Mil anos antes da nau de Cabral aportar na Bahia, já não se construíam mais sambaquis por aqui. Pesquisadores acreditam que os sambaquieiros foram exterminados por tupis e outros povos indígenas – ou dominados e aculturados por eles. No velho estilo de ocupação das terras brasileiras.