Gutiérrez: Charles Bukowski latino

Dono de duas pérolas incrustadas na glande, o adolescente Reynaldo causa furor entre prostitutas e travestis que ganham a vida pelo Malecón, a avenida beira-mar de Havana, em Cuba. As pérolas nada têm de preciosas nem de especiais. São bolinhas de aço, retiradas de rolamentos, que um de seus colegas de reformatório se especializara em implantar nos órgãos genitais masculinos. Com a ajuda do exótico aparato, Reynaldo faz jus ao título do romance O rei de Havana (Companhia das Letras, 224 págs., R$ 26), do escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez, que tem seu segundo livro lançado no Brasil.

Como na obra anterior, Trilogia suja de Havana, Gutiérrez não perde tempo com meias-palavras. Usando frases curtas e incisivas, ele mostra Reynaldo se destacando entre a escória, graças a seus atributos sexuais e à completa ausência de valores. Sem planos, nem para o futuro imediato, o adolescente só pensa em saciar suas necessidades primárias. Pelos escombros de prédios que outrora refletiram o luxo e a opulência da capital cubana, convive basicamente entre sujos e famélicos. Cenas de afeto até acontecem. Mas são raras.

Ao mesmo tempo que proporciona prazer pelo texto apurado e pelas personalidades meticulosamente dissecadas, o romance é impiedoso com a humanidade. Em alguns momentos, o autor chega a ser escatológico. De maneira geral, exige que seus leitores tenham estômago forte. Não à toa ele é apontado como o Charles Bukowski latino. Os efeitos para a imagem de Cuba também são devastadores. Embora não haja nenhuma crítica direta ao regime, Pedro Juan Gutiérrez não hesita em colocar o dedo na ferida. Em seu horizonte, não há redenção possível.