É assustador que um médico acuse, sem provas, um pai de abusar sexualmente da filha de um ano e sete meses depois de não conseguir diagnosticar que o sangramento na região anal da criança era causado por um tumor. Também é inaceitável que um delegado possa ter reservado sessões de tortura ao suposto estuprador para que confessasse algo que nunca fez. Ou que um hospital se exima da culpa de um erro médico dessa gravidade. Essa sucessão de irresponsabilidades aconteceu em Bom Jardim de Minas (MG), e quase destruiu a vida do servente de pedreiro Alexandre de Oliveira, 23 anos. Preso no dia 12 de janeiro, ele foi acusado de violentar a própria filha. A denúncia foi feita pelo médico Edson de Rezende Meireles, do Hospital Municipal local, que atendeu a menina e constatou sangue na região anal e dificuldade para andar. Tudo decorrência de um tumor.

Na cadeia, Alexandre conta que foi chamado de “vagabundo e pilantra”, levou tapas na cabeça do PM Francisco Lagrota, golpes nos pés com uma barra de ferro do detetive Jorge Luiz Vaz e choques na nuca do delegado Anderson Lobato. A corregedoria instaurou um inquérito. “O pior momento foi a hora da confissão”, lembra o servente. Procurado, Lagrota nega ter participado da tortura: “Se ele confessou, deve ter sido induzido a fazer isso. Mas eu não fui.” Vaz e Lobato não foram localizados pela reportagem. O pesadelo de Alexandre na cadeia só chegou ao fim seis dias depois, quando a ONG Centro de Defesa dos Direitos Humanos e a OAB provaram, a partir de um novo exame feito pelo IML de Juiz de Fora, que a criança não fora violentada.

O exame de corpo de delito de Alexandre, feito no Hospital Municipal, na presença do detetive Vaz, não constatou agressões. O laudo do IML, ao contrário, apontou as lesões. Os médicos estão temporariamente afastados. A história foi parar na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, onde há dois requerimentos para a instalação de uma CPI da Tortura. Cometido por agente público, o crime pode ter a sentença aumentada de um sexto a um terço. “A lei de tortura nunca foi aplicada no Brasil”, afirma o deputado Nilmário Miranda (PT-MG), que esteve em Juiz de Fora e levou o caso ao ministro da Justiça, José Gregori, e ao relator da ONU Nigel Rodley. A menina passa bem e o tratamento do tumor ficou a cargo da Fundação Ricardo Moyses, pois Alexandre não tem condições de pagar as despesas. Ainda assustado, ele custa a acreditar que tudo passou. Se houver justiça, essa história está começando.